segunda-feira, 27 de junho de 2011

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Geopolitica

Valor Econômico
A geopolítica anglo-americana
José Luís Fiori
22/06/2011 "Venho hoje reafirmar uma das mais antigas, uma das mais fortes alianças que o mundo já viu. Há muito é dito que os Estados Unidos e a Grã Bretanha compartilham de uma relação especial". Presidente Barack Obama: "Discurso no Parlamento Britânico", em 25 de maio de 2011

Existe uma ideia generalizada de que a Geopolítica é uma "ciência alemã", quando na verdade ela não é nem uma ciência, muito menos alemã. Ao contrário da Geografia Política, que é uma disciplina que estuda as relações entre o espaço e a organização dos estados, a Geopolítica é um conhecimento estratégico e normativo que avalia e redesenha a própria geografia, a partir de algum projeto de poder específico, defensivo ou expansivo. O "Oriente Médio", por exemplo, não é um fenômeno geográfico, é uma região criada e definida pela política externa inglesa do século XIX, assim como o "Grande Médio Oriente", é um sub produto geográfico da "guerra global ao terrorismo", do governo Bush, do início do século XXI. Por outro lado, a associação incorreta da Geopolítica com a história da Alemanha se deve à importância que as ideias de Friederich Ratzel (1844-1904) e Karl Haushofer (1869-1946) tiveram - direta ou indiretamente - no desenho estratégico dos desastrosos projetos expansionistas da Alemanha de Guilherme II (1888-1918) e de Adolf Hitler (1933-1945). Apesar disso, as teorias desses dois geógrafos transcenderam sua origem alemã e ideias costumam reaparecer nas discussões geopolíticas de países que compartilham o mesmo sentimento de cerco militar e inferioridade na hierarquia internacional. Mas a despeito disso, foi na Inglaterra e nos Estados Unidos que se formularam as teorias e estratégias geopolíticas mais bem sucedidas da história moderna.

Foi na Inglaterra e nos EUA que se formularam as teorias geopolíticas mais bem sucedidas da história moderna
Sir Walter Raleigh (1554-1618), conselheiro da rainha Elizabeth I, definiu no fim do século XVI o princípio geopolítico que orientou toda a estratégia naval da Inglaterra até o século XIX. Segundo Raleigh, "quem tem o mar, tem o comércio do mundo, tem a riqueza do mundo; e quem tem a riqueza do mundo, tem o próprio mundo". Muito mais tarde, quando a marinha britânica já controlava quase todos os mares do mundo, o geógrafo inglês, Halford Mackinder (1861-1947), formulou um novo princípio e uma nova teoria geopolítica, que marcaram a política externa inglesa do século XX. Segundo Mackinder, "quem controla o 'coração do mundo' comanda a 'ilha do mundo', e quem controla a ilha do mundo comanda o mundo". A "ilha do mundo" seria o continente eurasiano, e o seu "coração" estaria situado - mais ou menos - entre o Mar Báltico e o Mar Negro, e entre Berlim e Moscou. Por isso, para Mackinder, a maior ameaça ao poder da Inglaterra seria que a Alemanha ou a Rússia conseguissem monopolizar o poder dentro do continente eurasiano. Uma ideia-força que moveu a Inglaterra nas duas Guerras Mundiais e que levou Winston Churchill a propor- em 1946- a criação da "Cortina de Ferro" que deu origem à Guerra Fria

Do lado americano, o formulador geopolítico mais importante da primeira metade do século XX, foi o Almirante Alfred Mahan (1840-1914), amigo e conselheiro do presidente Theodor Roosevelt, desde antes da invenção da Guerra Hispano-Americano, no final do século XIX. A tese geopolítica fundamental de Mahan, sobre a "importância do poder naval na história", não tem nenhuma originalidade. Repete Walter Raleigh, e reproduz a história da marinha britânica. E o mesmo acontece com as ideias de Nicholas Spykman (1893-1943), o geopolítico que mais influenciou a estratégia internacional dos EUA na segunda metade do século XX. Spykman desenvolve e muda um pouco a teoria de Mackinder, mas chega quase às mesmas conclusões e propostas estratégicas. Para conquistar e manter o poder mundial, depois da Segunda Guerra, Spykman recomenda que os EUA ocupem o "anel" que cerca a Rússia, do Báltico até a China, aliando-se com a Grã Bretanha e a França, na Europa, e com a China, na Ásia. No cômputo final, o que diferencia a geopolítica anglo-americana é a sua pergunta fundamental: "que partes do mundo há que controlar, para dominar o mundo". Ou seja, uma pergunta ofensiva e global, ao contrário dos países que se propõem apenas a conquista e o controle de "espaços vitais" regionais. Além disso, a Inglaterra e os EUA ganharam, e no início do século XXI, mantém sua aliança de ferro com o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia: derrotaram e cercaram a Rússia; mantém seu protetorado atômico sobre a Alemanha e o Japão; expandiram sua parceria e seu cerco preventivo da China; estão refazendo seu controle da África; e mantém a América Latina sob a supervisão da sua IV Frota Naval. E acabam de reafirmar sua decisão de manter sua liderança geopolítica mundial.

Existe, entretanto, uma grande incógnita no horizonte geopolítico anglo-americano. Uma vez conquistado o poder global, é indispensável expandi-lo, para mantê-lo. Mas, para onde expandi-lo?

José Luís Fiori é professor titular e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da UFRJ, e autor do livro "O Poder Global", da Editora Boitempo, 2007. Escreve mensalmente às quartas-feiras.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

A nova agora

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ANÁLISE

Os 'indignados' retomaram no país a tradição da ágora

COSTAS DOUZINAS
DO "GUARDIAN"

Quando o herói da resistência francesa e diplomata aposentado Stéphane Hassel apelou, em 2010, para que a indignação quanto à injustiça se transformasse em "insurreição pacífica", talvez não esperasse que o movimento dos aganaktismenoi ("indignados"), na Grécia, aceitasse o apelo tão rápido.
Era de esperar que houvesse resistência a medidas econômicas catastróficas. Ao longo da história, os gregos resistiram à ocupação estrangeira e à ditadura interna com determinação e sacrifício.
Os "indignados" atacaram o injusto processo de empobrecimento dos trabalhadores gregos, a perda de soberania que fez do país um feudo de banqueiros e a destruição da democracia. Sua demanda é que as elites corruptas que governam há 30 anos "e conduziram a Grécia à beira do colapso" saiam.
Na praça Syntagma, em Atenas, os paralelos com a ágora clássica, localizada a algumas centenas de metros, são notáveis. Os aspirantes a orador recebem uma senha e são convocados ao palanque caso ela seja sorteada (na Atenas clássica, muitos ocupantes de cargos públicos eram selecionados por sorteio).
Não há questão acima de discussão. Nos debates semanais, economistas, advogados e filósofos políticos convidados apresentam ideias sobre como enfrentar a crise. A assembleia aberta em geral é conduzida sem apupos, e os tópicos variam de novas modalidades de resistência e solidariedade internacional a alternativas para as medidas catastroficamente injustas.
É a democracia em ação. Opiniões de desempregados e de acadêmicos têm tempo igual, são discutidas com o mesmo vigor e terminam submetidas a votação. Os indignados retomaram a praça e a transformaram em um espaço de interação pública.
Se a democracia é o poder do "demos" "ou seja, daqueles que não dispõem de qualificações específicas para governar", o que vemos é o que há de mais próximo da prática democrática na Europa.

COSTAS DOUZINAS é professor de direito na Universidade de Londres.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Bolsa incentiva o abandono da universidade

Folha de São Paulo 13 de junho de 2011

Bolsa incentiva quem deixa faculdade por 2 anos

DE WASHINGTON

Nos EUA, já há quem invista contra a crença de que todos devem ir à universidade.
Peter Thiel, cofundador do PayPal e um dos primeiros investidores do Facebook, anunciou no fim de maio 24 vencedores de bolsas criadas por ele para desenvolver empresas de inovação tecnológica: cada um ganha US$ 100 mil, com a condição de que larguem os estudos superiores por pelo menos dois anos.
As bolsas foram criadas no ano passado e receberam mais de 400 inscrições. Entre os vencedores estão Laura Deming, 17, que desenvolve terapias antienvelhecimento, e John Burnham, 18, que trabalha para extrair minerais de asteroides e cometas.
Thiel diz que sua iniciativa aborda dois problemas dos EUA: a "bolha da educação superior" e a lentidão no desenvolvimento de tecnologias inovadoras.
"Não estamos dizendo que todo mundo deveria abandonar a faculdade. Mas o problema é que, em nossa sociedade, a regra é que todo mundo tem que entrar nela."
Segundo ele, a "bolha educacional" se parece com a imobiliária e a tecnológica -duas que já estouraram, com enorme prejuízo para o país. "Há uma bolha sempre que algo é supervalorizado."
Grandes nomes do aglomerado tecnológico do Vale do Silício são usados como exemplos de gente que se deu bem sem concluir faculdade, entre eles Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, e Bill Gates, da Microsoft.
Burnham ganhou a bolsa e deixou os estudos, com a aprovação dos pais. "O programa dá a muita gente que talvez não conseguisse entrar em Harvard a chance de participar de algo tão seletivo e valioso quanto -e tão educacional quanto", afirmou.
Jovens entre 16 e 24 anos enfrentam nível de desemprego de quase o dobro do resto da população, chegando a 18,4%. É o pior número nos 60 anos em que o Instituto de Políticas Econômicas recolhe os dados. (AM)

Eua questionam o ensino superior

Folha de São Paulo 13 de junho de 2011

EUA questionam educação superior

Crise e falta de emprego para quem sai da universidade fazem maioria dos americanos achar que ela não compensa gastos

No país, ensino público não é gratuito; em 25 anos, mensalidades subiram 467%, ante uma inflação de 107%

ANDREA MURTA
DE WASHINGTON

Na esteira da crise econômica, os EUA vivem uma mudança de paradigma no que se refere à importância conferida à educação superior. Cada vez mais gente questiona se vale a pena investir na qualificação acadêmica.
Esse questionamento se espalhou tanto que já foi criado o termo "bolha educacional" para descrever os efeitos da cultura generalizada de que todo mundo deveria ir para a faculdade.
"Essa tendência de rever a "síndrome da universidade para todos" não é nova", disse à Folha o economista Robert Lerman, que estuda educação e emprego no Instituto Urban de Washington. "Mas, com o desemprego em 9,1%, a atenção a ela aumenta."
Por um lado, o mercado não dá conta de absorver as hordas de formandos nas faculdades; por outro, a dívida adquirida para pagar universidades caríssimas já ultrapassa a de cartões de crédito para americanos -deve chegar a US$ 1 trilhão em 2011.
Em 2010, 68,1% dos que terminaram o ensino médio se matricularam em universidades no ano seguinte, segundo o Birô de Estatísticas do Trabalho. Entre 1972 e 1980, essa taxa era de 50%.
No entanto, só 56% dos que se formaram em universidades em 2010 tiveram ao menos um emprego até agora. Outros 22% estão desempregados, e 22% estão em empregos para os quais não necessitam do diploma.
"O grande problema é que não desenvolvemos alternativas de alta qualidade para quem não tem diploma superior", diz Lerman. "Isso é ruim para os estudantes e para a produtividade do país."

VALOR
A mudança de atitude já é visível nas pesquisas. Estudo do instituto Pew deste mês mostra que mais da metade (57%) dos adultos americanos acham que a educação superior não vale o que é preciso gastar para se formar.
O ceticismo se alia à explosão dos preços de cursos. Enquanto a inflação para o consumidor subiu cerca de 107% de 1986 até o fim de 2010 nos EUA, mensalidades de universidades aumentaram 467% no mesmo período.
De acordo com o Conselho de Faculdades dos EUA, para cursos de quatro anos, um diploma universitário custa em média US$ 30 mil para quem vai a instituições públicas (que não são gratuitas) e US$ 109 mil para as privadas.
Apesar do debate, os dados ainda mostram que quem tem curso superior se dá melhor no mercado americano. O desemprego para esse grupo, 4,5%, é menos da metade em relação aos que têm só ensino médio (9,7%).

A universidade do século XXI

Folha de São Paulo 13 de junho de 2011

Inovar a inovação

Harvard e MIT investem em laboratórios multidisciplinares e apontam novos caminhos para a universidade do século 21



As reformas no local onde será inaugurado o I-Lab, em Harvard

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Em um prédio abandonado em Boston, nos EUA, onde funcionava uma emissora de televisão, está surgindo um laboratório que propõe reinventar a maneira como a universidade produz inovação.
Essa é uma das apostas de Harvard para continuar em primeiro lugar no ranking das melhores do mundo, atraindo ainda mais pessoas com espírito empreendedor.
Batizado de I-Lab (Innovation Lab, laboratório de inovação), a ser inaugurado no próximo semestre, esse centro quer quebrar os muros que separam as várias faculdades, misturando num mesmo espaço de colaboração alunos, professores e pesquisadores, apoiados por empresários e executivos.
"Vão ficar juntos engenheiros, médicos, advogados, designers e arquitetos, cada um desenvolvendo seu projeto -que pode ser desde criar um novo aplicativo para celular como uma campanha para combater a malária da África", conta o diretor do I-Lab, Gordon Jones.
"Estamos fazendo um esforço interdisciplinar para gerar melhores empreendedores", diz Jones, também professor na Escola de Negócios de Harvard.
A mensagem por trás desse novo laboratório é a de que os currículos universitários devem abrir espaço para o cruzamento das diversas áreas de conhecimento.
O recém nomeado pró-reitor acadêmico de Harvard é alguém cuja biografia resume esse movimento. Alan Garber formou-se em medicina e economia, e usou ambas as áreas para ensinar como melhorar a saúde pública.
"Um dos principais elementos da excelência acadêmica no século 21 é a qualidade de programas inter e multidisciplinares", diz Garber.
A visão do pró-reitor é reforçada por sua experiência em Stanford, na Califórnia. Lá, foi um dos pioneiros na criação de núcleos que unem pesquisadores de diferentes áreas. Foi o que ajudou a transformar o Silicon Valley no centro planetário de experimentações e desenvolvimento de produtos de tecnologia da informação. Google e Yahoo, por exemplo.
Também com passagem por Stanford, Gordon Jones, o diretor do I-Lab, acredita que ser empreendedor é ter a disposição de experimentar e lidar com o erro. "Vamos ser avaliados pelo número de inovações que vamos gerar."

MIT TAMBÉM
Um dos grandes exemplos dos bons resultados trazidos por tal diversidade de formações trabalhando em um espaço comum está em outro prédio, bem próximo do I-Lab, onde pesquisadores se propõem a revolucionar as investigações sobre o câncer.
Em parceria com várias instituições, inclusive Harvard, funciona no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachussets) o centro David H. Koch, inaugurado neste ano.
O projeto colocou no mesmo prédio vários cientistas da química e da biologia e misturou-os com oncologistas, psicólogos, psiquiatras e engenheiros especializados em nanotecnologia.
Muitos dos pesquisadores já trabalhavam com projetos ligados ao tema, mas poucos se conheciam entre si.
O David Koch segue um modelo criado dentro do próprio MIT para reinventar a produção e a disseminação de informação, o MediaLab.
Ligado à faculdade de arquitetura, já nasceu inter e multidisciplinar. Dali, por exemplo, surgiu o projeto que usa o aparelho celular para fazer exames à distância de problemas na vista.
Em Harvard, existe um outro polo interdisciplinar, citado como um dos inspiradores para o I-Lab, voltado à biologia regenerativa.
Engenheiros e médicos pesquisam drogas para rejuvenescer os órgãos do corpo humano -ali levantou-se a hipótese de desafiar a ideia de que sejamos mortais.
A imortalidade pode ser mais uma dessas fantasias que acompanham a história da humanidade. O fato é que, graças à combinação de pesquisadores de diferentes áreas, eles já conseguiram rejuvenescer um rato.

domingo, 12 de junho de 2011

Consenso de Brasilia

Folha de São Paulo 12 junho de 2011

Consenso de Brasília

Recente eleição de Humala no Peru consolida avanço de líderes esquerdistas moderados na América Latina em detrimento do modelo impulsionado pelo venezuelano Hugo Chávez

PATRÍCIA CAMPOS MELLO
DE SÃO PAULO

Com a vitória de Ollanta Humala na eleição presidencial do Peru, avança na América Latina o que já vem sendo chamado de "consenso de Brasília".
Regimes de esquerda moderada, que combinam inclusão social com nacionalismo na exploração de recursos naturais e estabilidade macroeconômica, estão se consolidando na região.
Os maiores símbolos desse novo consenso são Brasil, Uruguai e El Salvador.
O Prêmio Nobel Mario Vargas Llosa, conhecido defensor do livre mercado, apoiou Humala na eleição e falou do novo consenso em coluna no jornal espanhol "El País".
"Para que aqueles programas [sociais] sejam bem-sucedidos, é indispensável que o Peru continue crescendo, senão não há riqueza para distribuir. Os socialistas chilenos, brasileiros, uruguaios e salvadorenhos entenderam isso e, apesar de continuarem se chamando de socialistas, têm feito um governo social-democrata (não digo liberal para não assustar, mas não seria mentira)."
Na América do Sul, só restaram dois países grandes com governo de centro-direita -Chile e Colômbia. E mesmo esses estão se movendo para a centro-esquerda.
O governo de Sebastián Piñera no Chile é considerado uma continuação do Concertación (coalizão de partidos de centro-esquerda).
Piñera adotou medidas mais identificadas com a esquerda do que com a direita -renegociou os impostos da mineração e quer aprovar licença-maternidade de seis meses.
Na Colômbia, o presidente Juan Manuel Santos tem sido criticado por seu antecessor Alvaro Uribe por medidas de indenização de vítimas do conflito armado e um plano de devolução das terras de camponeses expropriadas por paramilitares de direita.
O Peru, que durante o governo Alan García seguiu à risca os preceitos do consenso de Washington de atração de investimentos e abertura comercial, não enfatizou os programas sociais, e esse foi um fator determinante para a eleição de Humala.
"O Peru foi um golpe contra a direita, que acreditava que bastava ter boas políticas e crescimento econômico para resolver a pobreza", diz Michael Shifter, presidente do Inter-American Dialogue.
"Essa eleição aponta para a consolidação de um esquerdismo moderado na região. Podemos falar no avanço de um "consenso de Brasília", baseado em agenda social e política macroeconômica responsável dentro de um arcabouço democrático."

CHÁVEZ EM QUEDA
Enquanto o consenso de Brasília está em ascensão, a esquerda bolivariana está em franca decadência.
Chávez tem aprovação abaixo de 50% e luta contra problemas econômicos. "Ficou provado que a esquerda de Lula é melhor que a de Chávez", diz Patrício Navía, professor do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Nova York.
"Os venezuelanos não querem voltar ao passado, mas tampouco estão contentes com Chávez, que debilitou a democracia e enfraqueceu a esquerda."
Humala fez campanha tentando convencer o eleitorado de que tinha se "lulificado" e chegou a dizer que o modelo de Chávez "não se aplicava" ao Peru.
Suas propostas mais controversas são a renegociação de impostos sobre a mineração e sua ênfase nas consultas populares para os projetos de infraestrutura. Mas o governo do Chile, longe de ser considerado de esquerda, anunciou recentemente alta nos impostos sobre extração de recursos naturais.
Segundo Amado Cervo, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, esses governos têm em comum a ênfase em inclusão social e uma certa "introspecção" -eles não são tão voltados para acordos comerciais, são mais centrados em mercado interno e valorização de seus recursos naturais.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Boaventura de Sousa Santos

São Paulo, quarta-feira, 08 de junho de 2011
Folha de São Paulo

Sociólogo critica "nova esquerda" europeia

Para o português Boaventura de Sousa Santos, partidos sofreram derrota eleitoral por não se diferenciarem da direita

Professor de Coimbra defende reavaliação da dívida portuguesa e diz que o euro, como está, não é mais sustentável

VAGUINALDO MARINHEIRO
ENVIADO ESPECIAL A LISBOA

O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos acredita que os partidos de centro-esquerda estão sendo derrotados pelas urnas na Europa por não conseguirem se diferenciar da direita.
No domingo, o Partido Socialista português teve a pior votação em 20 anos, e o PSD, de direita, fez o novo premiê. Duas semanas antes, o espanhol sofreu derrota histórica.
Professor catedrático da Universidade de Coimbra, Sousa Santos, 70, lançou o livro "Portugal. Ensaio Contra a Autoflagelação", em que diz que seus conterrâneos tendem a se culpar por tudo. Leia os principais trechos de sua entrevista à Folha.





Folha - A eleição foi marcada por vitória da direita, encolhimento da esquerda e alta abstenção. O português está entre a apatia e a revolta contra o último governo?
Boaventura de Sousa Santos - Não me teria surpreendido uma abstenção ainda mais alta. Nenhum dos partidos disse na campanha como governaria se ganhasse. Se o fizesse, não seria eleito. O acordo com FMI, Banco Central Europeu e União Europeia não deixa dúvidas sobre o tipo de medidas impopulares que terão de ser tomadas e que vão afetar muito o bem-estar das pessoas. Os portugueses não estão apáticos. Estão expectantes. Leem os jornais e sabem o que está a passar na Grécia, um país um ano mais avançado que nós na desgraça.

A maioria parlamentar da direita mudará algo?
Sem dúvida. E temo que não seja para melhor. Portugal vai continuar o seu caminho europeu em contraciclo. Adotou o modelo do Estado social depois da revolução de 1974, quando estava já a entrar em crise na Europa. Agora, vai adotar o fundamentalismo neoliberal quando ele está em crise mundial e países ditos emergentes, entre os quais o Brasil, são festejados por ter desobedecido às receitas neoliberais.

Com a derrota do PS português, só 5 dos 27 países da EU estão sob governos de centro-esquerda. Por que o eleitor está rejeitando a esquerda?
As políticas liberais foram fielmente postas em prática pelos próprios partidos de centro-esquerda a partir do momento em que chamada Terceira Via dominou a social-democracia europeia.

A crise foi global, mas alguns países (os chamados periféricos) estão sofrendo mais para sair dela. Qual a explicação?
Os países periféricos adotaram moeda forte ao mesmo tempo em que o bloco econômico em que se integravam, a União Europeia, se abria ao mercado internacional. Quem produz turismo, calçado e têxteis não está em tão boas condições para competir com a China quanto um país que produz aviões ou trens de alta velocidade.

E a crítica dos alemães de que gregos e portugueses, por exemplo, trabalham menos e descuidaram das finanças?
O preconceito do Norte contra o Sul vem de muito longe. Os frades alemães que visitavam a península Ibérica no século 17 já diziam isso e muito mais. Diziam que os latinos são preguiçosos, lascivos e pouco higiênicos. Em 1953, no pós-guerra, a Alemanha estava na bancarrota. Credores juntaram-se, perdoaram mais de metade da dívida e aceitaram receber juros compatíveis. É curta a memória dos alemães.

O sr. fala em reavaliar a dívida portuguesa. Isso não seria visto como calote disfarçado?
Portugal tem de honrar os seus compromissos, ou seja, pagar a dívida que legitimamente deve, mas só essa. Parte da dívida decorre da manipulação especulativa de juros, resultante de promiscuidades de interesses entre especuladores e agências de rating, o que configura a suspeita de crimes financeiros. A divida que decorre dessa manipulação é ilegítima e não deve ser paga. Portugal deve sair da zona do euro? Foi um erro ter adotado a moeda comum? Só haverá saída sem tumulto da zona do euro se ela abranger mais de um país e for negociada. O euro como está é insustentável.

sábado, 4 de junho de 2011

Crise Econômica

Greenspan, um proletário
Diego Viana | De São Paulo
03/06/2011
Luís Ushirobira/Valor

Segundo Stiegler, Bernard Madoff foi o único capitalista que entendeu como o sistema funcionava, porque ele já não acreditava mais em coisa nenhumaPara entender a amplitude da crise econômica de 2008, não basta examinar as entranhas do sistema financeiro. Também é preciso recorrer aos conceitos de autores como Sigmund Freud, Gilbert Simondon e Jean-François Lyotard. Essa é a proposta do filósofo francês Bernard Stiegler, que veio ao Brasil para falar sobre "A Proletarização da Sensibilidade" no seminário Revoluções, em São Paulo.

Stiegler leciona nas universidades de Compiègne e Londres. É fundador da associação Ars Industrialis, que se propõe a pensar "uma política industrial das tecnologias do espírito". Instados por Stiegler a enxergar na tecnologia um fármaco no sentido proposto por Platão - para o grego, a escrita era um fármaco, porque tanto podia servir a cristalizar a dominação como a perpetuar o conhecimento -, os membros da associação desenvolvem projetos que incluem programas de computador e iniciativas regionais. A ideia é permitir à população tomar controle da produção da vida e, assim, escapar da proletarização.

Stiegler define a proletarização como a perda dos saberes que compõem a vida. O grande exemplo de como o consumismo proletarizou a todos é o ex-presidente do Fed Alan Greenspan, que se declarou incapaz de evitar a crise por não entender como funcionava o sistema que deveria regular. Dentre as obras do filósofo, destacam-se "A Técnica e o Tempo", "Por uma Nova Crítica da Economia Política" e "O Que Faz Valer a Pena Viver a Vida". Ele também dirige o Instituto de Pesquisa e Inovação do Centro Pompidou, em Paris.

Valor: A era do consumismo, que o senhor define como inciada com a teoria de relações públicas de Edward Bernays, sobrinho de Freud, e o triunfo do fordismo, foi marcado por uma sucessão de crises. Por que a de 2008 foi diferente?

Bernard Stiegler: Primeiro, ela não é só financeira. É uma crise da economia libidinal. A base do consumismo é um processo de economia libidinal, que se tornou o coração do capitalismo no último século. O auge do sistema foi sua ruína, quando Ronald Reagan e Margaret Thatcher destruíram o poder público. O marketing se tornou o sistema de prescrição econômica exclusivo. Onde havia banco de investimento, passa a haver fundo especulativo. A especulação criou a insolvabilidade, daí o subprime, e um sistema de diluição da responsabilidade. O especulador zomba abertamente da responsabilidade. Seu objetivo é partir logo que não haja mais dinheiro a ganhar, ao contrário do investidor, que está ligado a seu investimento.

Valor: O pensamento econômico pode captar a distinção entre especulação e investimento?

Stiegler: Temos de refazer a crítica da economia política, reavaliar a questão do trabalho e da proletarização. Para Karl Marx, a proletarização é a perda de um saber. O saber fazer, no início, mas isso tende a se estender para todas as formas de saber. É isso que vivemos hoje. A perda de saberes engendra a perda de sabores, esse é um jogo de palavras instrutivo. Quando não temos mais os saberes, perdemos o gosto da vida. O problema do consumismo é que ele destrói saberes. A crise mostrou que até Greenspan é proletário. A estratégia que ele usou para se defender quando chamado pelo Congresso foi dizer que não entendia como o mercado financeiro funcionava. As ferramentas informáticas faziam com que não fosse possível entender nada. Exatamente o que acontecia nas fábricas do século XIX e que Marx criticou.

Valor: Ninguém entendia o funcionamento?

Stiegler: Tinha uma pessoa que entendia: Bernard Madoff. Ele manipulava tudo porque entendia. Ele encarna o triunfo da máfia no capitalismo. Chegou-se ao ponto em que o único capitalista a entender o que acontece é o mafioso, aquele que não acredita em nada. Ele entendeu que não se deve mais crer em nada, o que é extremamente grave. A especulação destrói o valor econômico, então não pode se perpetuar, é autodestrutiva.

Valor: Voltando às características de 2008...

Stiegler: Outro lado é o hiperconsumismo, o consumismo que se tornou viciante, produzido não pelo desejo, como na verdadeira economia libidinal, mas pela compulsão. O caso de Dominique Strauss-Kahn é um resultado perfeitamente previsível.

Valor: Por quê?

Stiegler: Para mim, ele é o símbolo do caráter pulsional do mundo contemporâneo. A agressão sexual não é caso de libido, mas de pulsão. A libido é o verdadeiro desejo, sublimado, que conhece seu objeto. A pulsão é o ato imediato, que não consegue se segurar. É a representação de algo com que nos confrontamos todos.

Valor: Qual é o segundo ponto?

Stiegler: A crise vem no momento em que outro dispositivo começa a se estabelecer. Penso, como Marx, que há infraestruturas, ou seja, meios de produção. Mas eu me interesso pelas estruturas da libido. A energia libidinal é uma produção, fruto de uma economia. É por isso que falo de economia libidinal. Ela pressupõe dispositivos de produção. No século XX, foram destruídos os aparelhos de produção da libido. O investimento amoroso é condição do investimento econômico, como diz Max Weber. Quarenta porcento das crianças americanas de um ano já veem TV e isso tem efeitos reconhecidos pela pedopsiquiatria. Déficit de atenção, hiperatividade, perturbações graves. O consumidor não é mais desejante, como dizia Gilles Deleuze, mas pulsional. É uma regressão psíquica, mas também social. Começou com Thatcher e Reagan e acabou com toda forma de autoridade. Hoje, a única força de autoridade é a policial. Estamos à beira de uma explosão social.

Valor: O que está se estabelecendo agora?

Stiegler: Nesses anos todos, apareceram modos de comportamento novos, que não se inscrevem no horizonte consumista. São comportamentos contributivos. O marketing tenta manipulá-los, claro, mas eles criam horizontes que não são consumistas. A crise é terrível, mas ao mesmo tempo é fecunda, como todas as crises. Este é um período revolucionário. Não no sentido de 1989, 1917 ou 1848. É uma revolução que não passa necessariamente pelas barricadas, mas pelas redes sociais e as práticas novas.

Valor: Essa revolução se mostra na política?

Stiegler: O que faz com que cidadãos sejam cidadãos é terem acesso ao conhecimento das coisas políticas. O espaço político é um espaço de publicação. Cada vez que muda a forma de publicação, há uma grande mudança política. Foi o caso da imprensa, que desaguou na revolução francesa. Com a internet, há uma transformação da publicação. Não haveria revolução tunisiana sem Wikileaks, que vazou telegramas de Ben Ali. O espaço público está em mutação, porque a publicação está em mutação.

Valor: O discurso político percebe isso?

Stiegler: Os representantes, que têm poder de decisão política, não entenderam nada. São fruto do velho sistema e não querem mudar. É o mundo econômico que percebe. Os clientes da Ars Industrialis são bancos, indústrias, empresas de telecomunicações, transportes, software, energia. Estão muito inquietos, veem que o sistema não funciona mais. Um executivo chegou a dizer que não pode manifestar essa inquietação para não ser eliminado pelos acionistas.

Valor: Mas o mafioso segue triunfando?

Stiegler: A burguesia liberal, no sentido clássico do termo, deveria dizer: atenção, estamos nos confrontando com máfias e o capitalismo está se tornando mafioso. Mas ainda há parte do capitalismo que crê no investimento. É preciso conseguir falar com eles, apontar para essa máfia e mostrar como é obcecada pelo curto prazo e, portanto, autodestrutiva. Ela destrói toda a esfera civil e, quando isso acontece, só o que sobra é a guerra civil

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Texto de Boaventura de Sousa Santos

01/06/2011 Boaventura de Sousa Santos Carta Maior
Os jovens acampados no Rossio e nas praças de Espanha são os primeiros sinais da emergência de um novo espaço público – a rua e a praça – onde se discute o sequestro das atuais democracias pelos interesses de minorias poderosas e se apontam os caminhos da construção de democracias mais robustas, mais capazes de salvaguardar os interesses das maiorias. A importância da sua luta mede-se pela ira com que investem contra eles as forças conservadoras. O artigo é de Boaventura de Sousa Santos.
Boaventura de Sousa Santos

Nos próximos tempos, as elites conservadoras europeias, tanto políticas como culturais, vão ter um choque: os europeus são gente comum e, quando sujeitos às mesmas provações ou às mesmas frustrações por que têm passado outros povos noutras regiões do mundo, em vez de reagir à europeia, reagem como eles. Para essas elites, reagir à europeia é acreditar nas instituições e agir sempre nos limites que elas impõem. Um bom cidadão é um cidadão bem comportado, e este é o que vive entre as comportas das instituições.

Dado o desigual desenvolvimento do mundo, não é de prever que os europeus venham a ser sujeitos, nos tempos mais próximos, às mesmas provações a que têm sido sujeitos os africanos, os latino-americanos ou os asiáticos. Mas tudo indica que possam vir a ser sujeitos às mesmas frustrações. Formulado de modos muito diversos, o desejo de uma sociedade mais democrática e mais justa é hoje um bem comum da humanidade. O papel das instituições é regular as expectativas dos cidadãos de modo a evitar que o abismo entre esse desejo e a sua realização não seja tão grande que a frustração atinja níveis perturbadores.

Ora é observável um pouco por toda a parte que as instituições existentes estão a desempenhar pior o seu papel, sendo-lhes cada vez mais difícil conter a frustração dos cidadãos. Se as instituições existentes não servem, é necessário reformá-las ou criar outras. Enquanto tal não ocorre, é legítimo e democrático atuar à margem delas, pacificamente, nas ruas e nas praças. Estamos a entrar num período pós-institucional.

Os jovens acampados no Rossio e nas praças de Espanha são os primeiros sinais da emergência de um novo espaço público – a rua e a praça – onde se discute o sequestro das atuais democracias pelos interesses de minorias poderosas e se apontam os caminhos da construção de democracias mais robustas, mais capazes de salvaguardar os interesses das maiorias. A importância da sua luta mede-se pela ira com que investem contra eles as forças conservadoras. Os acampados não têm de ser impecáveis nas suas análises, exaustivos nas suas denúncias ou rigorosos nas suas propostas. Basta-lhes ser clarividentes na urgência em ampliar a
agenda política e o horizonte de possibilidades democráticas, e genuínos na aspiração a uma vida digna e social e ecologicamente mais justa.

Para contextualizar a luta das acampadas e dos acampados, são oportunas duas observações. A primeira é que, ao contrário dos jovens (anarquistas e outros) das ruas de Londres, Paris e Moscou no início do século XX, os acampados não lançam bombas nem atentam contra a vida dos dirigentes políticos. Manifestam-se pacificamente e a favor de mais democracia. É um avanço histórico notável que só a miopia das ideologias e a estreiteza dos interesses não permite ver. Apesar de todas as armadilhas do liberalismo, a democracia entrou no imaginário das grandes maiorias como um ideal libertador, o ideal da democracia verdadeira ou real. É um ideal que, se levado a sério, constitui uma ameaça fatal para aqueles cujo dinheiro ou posição social lhes tem permitido manipular impunemente o jogo democrático.

A segunda observação é que os momentos mais criativos da democracia raramente ocorreram nas salas dos parlamentos. Ocorreram nas ruas, onde os cidadãos revoltados forçaram as mudanças de regime ou a ampliação das agendas políticas. Entre muitas outras demandas, os acampados exigem a resistência às imposições da troika para que a vida dos cidadãos tenha prioridade sobre os lucros dos banqueiros e especuladores; a recusa ou a renegociação da dívida; um modelo de desenvolvimento social e ecologicamente justo; o fim da discriminação sexual e racial e da xenofobia contra os imigrantes; a não privatização de bens comuns da humanidade, como a água, ou de bens públicos, como os correios; a reforma do sistema político para o tornar mais participativo, mais transparente e imune à corrupção.

A pensar nas eleições acabei por não falar das eleições. Não falei?