terça-feira, 30 de junho de 2009

ONU aprova resolução pelo retorno imediato do presidente deposto a Honduras Publicidade

Notícia proveniente da Folha de Sp.
O golpe de Honduras é um indício para aqueles que achavam que os tempos de chumbo eram distantes.
Momentos de crise, no sentido amplo da palavra.

ONU aprova resolução pelo retorno imediato do presidente deposto a Honduras
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da Folha Online

A Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) aprovou nesta terça-feira uma resolução na qual pede a "imediata e incondicional" restituição de Manuel Zelaya como presidente "legítimo e constitucional" de Honduras.

Entenda a crise política em Honduras
Golpe em Honduras repete roteiro do século 20
Sem apoio do partido, Zelaya espera reação popular
Veterano, Micheletti chega à Presidência após golpe

Zelaya foi derrubado do poder no último domingo (28) em um golpe orquestrado pela Justiça e o Congresso e executado por um grupo de militares que o expulsaram para a Costa Rica. Desde então, o presidente deposto ganhou apoio unânime da comunidade internacional.
Bebeto Matthews/AP
Presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, discursa na Assembleia Geral da ONU
Presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, discursa na Assembleia Geral da ONU

"Esta resolução expressa a indignação do povo de Honduras e do resto da comunidade internacional", disse Zelaya, que discursou perante a Assembleia pouco depois da aprovação da resolução, que classificou de "histórica".

A assembleia condenou de maneira unânime o golpe militar em Honduras, aprovou por aclamação a resolução contra o governo interino e pediu aos 192 países-membros que não reconheçam qualquer governo além de Zelaya.

O presidente da assembleia, Miguel D'Escoto Brockmann, que em muitas ocasiões criticou o posicionamento dos Estados Unidos e outras potências ocidentais, elogiou a aprovação da resolução e liderou os aplausos ao destacar que os EUA, Canadá e outros países assinaram como co-patrocinadores.

A resolução condena o golpe que "interrompeu a ordem constitucional e democrático e o exercício legítimo de poder em Honduras e resultou na remoção do presidente eleito democrático."

O texto exige ainda a "restauração imediata e incondicional" do governo de Zelaya e "decide reconhecer nenhum governo além daquele do presidente constitucional."

A resolução apoia ainda os esforços regionais para resolver a crise e expressa preocupação em relação "aos atos de violência contra o pessoal diplomático" em Honduras, além dos problemas de segurança que colocam em risco cidadãos e estrangeiros.

Ao contrário das resoluções do Conselho de Segurança da ONU --como o texto de punição ao teste nuclear da Coreia do Norte--, as resolução da assembleia geral não têm valor legal, mas refletem a visão da comunidade internacional.

Depois do voto, Zelaya sorriu e cumprimentou os presentes. Então, ele caminhou até o pódio da reunião para agradecer o apoio. "A resolução que a ONU acaba de aprovar unanimemente expressa a indignação do povo de Honduras e de todo o mundo", disse Zelaya.

"Esta resolução é histórica. É significativa. E ela dá poder a cada cidadão deste mundo para continuar com estas grandes conquistas da humanidade", disse.

Zelaya descreveu as ações militares como "um bruto golpe de Estado" e o trabalho de "pequenos grupos de usurpadores" que levaram adiante um "ato fe agressão contra o desejo democrático do povo."

Fortalecido pelo apoio internacional, Zelaya afirmou nesta segunda-feira que ele voltará para Honduras para tentar reconquistar o controle do governo. Roberto Micheletti, nomeado presidente interino nomeado pelo Congresso, rejeitou as denúncias de golpe de Estado e afirmou que, se Zelaya retornar, será preso.

Derrubado

O golpe que derrubou Zelaya do poder foi realizado horas antes de o país iniciar uma consulta pública sobre um referendo para reformar a Constituição. O presidente deposto queria incluir o referendo sobre a convocação da Assembleia Constituinte --que, segundo críticos, era uma forma de Zelaya instaurar a reeleição presidencial no país-- nas eleições gerais de 29 de novembro. A proposta, contudo, foi rejeitada pelo Congresso.

Os parlamentares afirmaram que a deposição de Zelaya foi aprovada por suas "repetidas violações da Constituição e da lei e desrespeito a ordens e decisões das instituições".

O presidente deposto defendeu-se dizendo ser vítima de "um complô de uma elite voraz, uma elite que só quer manter o país isolado, em um nível extremo de pobreza".

Textos na revista Isagoria

http://isegoria.revistas.csic.es/index.php/isegoria Enviado pelo Prof Marcus Firmino Santiago temos acesso a textos importantes de Benhabib sobre Direitos Humanos e um outro artigo sobre Hans Jonas

domingo, 28 de junho de 2009

A biblioteca de José Midlin

http://www.brasiliana.usp.br/ A mestre em Direito pela Puc-rio e Procuradora Regional da República envia esse endereço da coleção brasiliana da Biblioteca José Midlin. Acesse é importante para compreender o Brasil.

Golpe em Honduras

Opinião internacional condena golpe em Honduras

da Folha Online
com France Presse, Efe e Reuters

A ação militar contra o presidente de Honduras, Manuel Zelaya, já foi alvo de severas críticas da opinião internacional neste domingo. O presidente dos EUA, Barack Obama, afirmou que as disputas internas desse país devem ser resolvidas de forma pacífica, enquanto o líder venezuelano, Hugo Chávez, já anunciou que vai fazer "tudo o que tenha que fazer" para restituir Zelaya ao cargo. E governo brasileiro, por meio do Ministério das Relações Exteriores, condenou "de forma veemente" o episódio.

"Quaisquer tensões e disputas existentes devem ser resolvidas pacificamente e através do diálogo, livre de qualquer interferência externa", declarou o líder americano Obama. A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, apelou para que todos os partidos em Honduras respeitem as Constituições e as leis desse país.

O embaixador americano em Tegucigalpa, Hugo Llorens, afirmou que "o único presidente que os Estados Unidos reconhecem em Honduras é o presidente Manuel Zelaya".

A OEA (Organização dos Estados Americanos) realiza uma sessão urgente para avaliar uma resolução de condenação, e deve convocar uma reunião extraordinária da Assembleia Geral para tratar o assunto nesta semana.

mapa de Honduras


Os presidentes de países da América Central devem se reunir ainda nesta noite em Manágua, capital da Nicarágua. O presidente desse país, Daniel Ortega, já adiantou que os líderes devem "fazer uma frente na luta" para restituir Zelaya à presidência.
Carlos Garcia Rawlins -24.jun.09/Reuters
Presidente da Venezuela, Hugo Chávez, condenou e classificou ato militar como "golpe de Estado troglodita"
Presidente da Venezuela, Hugo Chávez, condenou e classificou ato militar como "golpe de Estado troglodita"

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, declarou que fará "tudo o que tenha de fazer" para apoiar o colega hondurenho e advertiu que responderá "inclusive militarmente" se ocorrerem novas agressões contra o embaixador venezuelano em Tegucigalpa, Armando Laguna.

"Se nossa embaixada, se nosso embaixador for sequestrado ou atropelado, essa junta militar [que tirou Zelaya do poder] estará entrando em guerra de fato, e teremos que agir, inclusive militarmente", afirmou.

A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, repudiou o golpe de Estado. "Estou muito preocupada com a situação em Honduras. As Forças Armadas acabam de sequestrar o presidente constitucional, em um episódio que nos lembra a pior barbárie da história da América Latina", disse.

No Brasil, o Ministério das Relações Exteriores divulgou nota onde afirma que "o governo brasileiro condena de forma veemente a ação militar que resultou na retirada do Presidente de Honduras, José Manuel Zelaya, do Palácio Presidencial em Tegucigalpa no dia de hoje e sua condução para fora do país".

"Ações militares desse tipo configuram atentado à democracia e não condizem com o desenvolvimento político da região", diz o comunicado do Itamaraty.

Manuel Zelaya afirmou que foi obrigado a sair do país em um "sequestro brutal" arquitetado por uma parte do corpo militar, e agora está na Costa Rica. Tanques tomaram as ruas e aviões sobrevoam Tegucigalpa, capital de Honduras.

Cadeia de comando no Araguaia

Folha de São Paulo, domingo, 28 de junho de 2009




Ordens no Araguaia eram dadas por quatro generais
Militar Lício Maciel afirma que guerrilheiros do PC do B foram mortos em confrontos

O major Curió disse que militantes foram mortos quando já estavam presos, mas não citou qual militar teria dado essa ordem

RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

O tenente-coronel da reserva do Exército Sebastião Rodrigues de Moura, o "major Curió", guarda silêncio sobre um ponto fundamental na história da guerrilha do Araguaia: qual oficial superior teria mandado as equipes militares de campo executarem guerrilheiros desarmados e prisioneiros.
Segundo as recentes entrevistas dadas ao jornal "O Estado de S. Paulo", Curió disse ter recebido "ordens superiores", de oficiais cujos nomes omitiu, "para não deixar rastros da guerrilha". Citou assassinatos de duas prisioneiras, mas negou ter sido o autor. Também não esclareceu os locais em que os corpos de guerrilheiros teriam sido enterrados.
Dois oficiais do Exército que tiveram papel destacado no combate à guerrilha -mas que negaram saber de ordem de execução de prisioneiros- descreveram à Folha a cadeia de comando militar das operações. Eles demonstraram irritação com as declarações de Curió e negaram assassinatos de guerrilheiros dominados.
Concederam entrevistas à Folha, por telefone, o coronel da reserva Gilberto Airton Zenkner, 75, que foi o coordenador do plano de infiltração "Operação Sucuri", a segunda fase da campanha, e o tenente-coronel reformado Lício Augusto Ribeiro Maciel, 79, ferido num tiroteio ao lado de Curió no início da terceira campanha, a "Operação Marajoara", que exterminou a guerrilha.
O coronel Lício, autor de um livro sobre o episódio, disse que por volta do dia 7 de outubro de 1973 recebeu uma "ordem superior" para capturar os guerrilheiros "vivos ou mortos". Segundo Lício, a ordem não falava de execução de prisioneiros.
A ordem, segundo ele, mudou todo o esquema dos militares para o combate. A partir dela, os guerrilheiros foram sendo eliminados -segundo ele, sempre em confrontos armados. O tenente-coronel disse que não guardou nenhuma cópia da ordem nem se recorda do nome de quem a assinou.
Ao longo dos quatro anos em que durou o conflito, as Forças Armadas lançaram três campanhas contra os militantes do PC do B que pretendiam derrubar a ditadura (1964-1985) e fundar um governo comunista no Brasil. A cadeia de comando modificou-se ao longo desse período. A ordem de oficiais descrita nas entrevistas corresponde à época da "Marajoara", que se estendeu de 1973 a meados de 1974. No período ocorreram 47 desaparecimentos de guerrilheiros, segundo o livro "A Lei da Selva", de Hugo Studart.
De acordo com Lício, a cadeia começava no presidente da República, Emílio Médici, passava pelo ministro do Exército, Orlando Geisel, pelo general Milton Tavares de Souza, comandante do CIE (Centro de Informações do Exército), e chegava ao chefe da seção de operações do CIE, coronel Carlos Sérgio Torres. Os quatro oficiais morreram entre o final do anos 70 e o final dos 80.
Torres enviava as ordens para as equipes de campo, em sintonia com seu superior, Tavares, depois substituído na chefia do CIE pelo general Confúcio Avelino. "As ordens vinham de Médici, de Geisel, de Milton e de Torres. Os nossos relatórios faziam o caminho inverso", disse Lício, para quem Torres foi "um homem valoroso".
"O Curió demonstrou total má-fé. Dizer que "respeita" os bandidos. Eles tinham o dinheiro dos comunistas. Os próprios generais em Brasília ficavam revoltados. A tropa, andando na mata, eles matavam e ficava por isso mesmo. Por quê? Porque eles [militares] não tinham [até 73] ordem para revidar", disse Lício.

Irã em decomposição

São Paulo, domingo, 28 de junho de 2009 Caderno Mais



Irã em decomposição
Pressão social e por abertura política inspirada na revolução de 1979 torna inevitável o declínio de Ahmadinejad

SLAVOJ ZIZEK
COLUNISTA DA FOLHA

Q uando um regime autoritário se aproxima de sua crise final, sua dissolução, via de regra, se dá em dois passos. Antes de seu desabamento de fato, ocorre uma ruptura misteriosa: de repente, as pessoas sabem que o jogo já chegou ao fim e simplesmente deixam de sentir medo. Não é apenas que o regime perde sua legitimidade, mas seu próprio exercício do poder é visto como reação importante de pânico.
Em "Shah of Shahs" [Xá dos Xás], um relato clássico da revolução de Khomeini, Ryszard Kapuscinski localizou o momento preciso dessa ruptura: numa encruzilhada em Teerã, um manifestante isolado se negou a sair do lugar quando um policial lhe ordenou aos gritos que saísse. O policial, constrangido, simplesmente se afastou. Em poucas horas, Teerã inteira já sabia do incidente, e, embora os enfrentamentos nas ruas tenham continuado por semanas, todo mundo já sabia que a partida chegara ao fim. Estará algo semelhante acontecendo agora?

Fatos e versões
Há muitas versões sobre os acontecimentos em Teerã. Alguns enxergam nos protestos a culminação do "movimento reformista" pró-ocidental, na linha das revoluções "cor de laranja" na Ucrânia, na Geórgia etc. -ou seja, uma reação secular à revolução de Khomeini. Eles apoiam os protestos, que veem como o primeiro passo em direção a um novo Irã liberal-democrático, liberto do fundamentalismo muçulmano.
Contra eles se erguem os céticos que pensam que Ahmadinejad venceu de fato: ele seria a voz da maioria, enquanto o apoio ao candidato reformista derrotado Mir Hossein Mousavi viria sobretudo da classe média e de sua juventude dourada. E há os que veem em Mousavi nada mais do que um membro do establishment dos clérigos, cujas diferenças com Ahmadinejad são apenas superficiais: Mousavi também quer levar adiante o programa de energia atômica, é contra o reconhecimento de Israel e teve o pleno apoio de Khomeini quando foi primeiro-ministro nos anos da guerra contra o Iraque.
Finalmente, os mais lamentáveis de todos são os defensores esquerdistas de Ahmadinejad: para eles, o que realmente está em jogo é a independência iraniana. Ahmadinejad teria vencido porque defendeu a independência do país, expôs a corrupção das elites e usou a riqueza petrolífera para incrementar a renda da maioria pobre.
Essa visão ignora os fatos, a saber: o alto índice de participação na eleição, que dos 55% de praxe subiu para 85%, só pode ser explicado como um voto de protesto. E também manifesta uma cegueira em relação a uma demonstração genuína de vontade popular, ao pressupor, de maneira paternalista, que Ahmadinejad é o presidente que convém aos atrasados iranianos, que ainda não teriam maturidade suficiente para serem governados por uma esquerda secular.
Por mais que se oponham, todas essas versões interpretam os protestos iranianos segundo o eixo de linha-dura islâmica versus reformistas liberais pró-ocidentais. E é por isso que elas têm tanta dificuldade em situar Mousavi: ele seria um reformista que tem o apoio do Ocidente e procura mais liberdade pessoal e economia de mercado ou é um membro do establishment clerical cuja eventual vitória não afetaria seriamente a natureza do regime?
Tais oscilações extremas revelam que todas essas versões deixam de captar a verdadeira natureza dos protestos. A cor verde adotada pelos partidários de Mousavi, os gritos de "Allahu Akbar!" que ressoam dos telhados de Teerã no escuro da noite indicam claramente que os manifestantes enxergam sua atividade como repetição da revolução de 1979 de Khomeini, como um retorno às raízes dela, desfazendo sua corrupção posterior.
Esse retorno às raízes não é apenas programático; ele diz respeito, mais ainda, ao modo de atividade das multidões: a enfática união das pessoas, sua solidariedade abrangente, a auto-organização criativa, a improvisação de maneiras de articular o protesto, o misto singular de espontaneidade e disciplina, como a marcha lúgubre de milhares de pessoas em silêncio total. Estamos diante de um levante popular genuíno dos partidários iludidos da revolução de Khomeini.

Não herói, mas corrupto
Há duas consequências cruciais. Para começar, Ahmadinejad não é o herói dos pobres islâmicos, mas, sim, um legítimo populista islamo-fascista corrompido. Sua demagógica distribuição de migalhas aos pobres não nos deve enganar: por trás dele estão não apenas órgãos de repressão policial e um aparato de relações públicas muito ocidentalizado, mas também uma nova e forte classe rica, fruto da corrupção do regime.
Em segundo lugar, devemos traçar uma diferença nítida entre os dois principais candidatos opostos a Ahmadinejad, Mehdi Karoubi e Mousavi. Karoubi é de fato um reformista, alguém que propõe basicamente a versão iraniana de política de identidade, prometendo favores a todos os grupos distintos. Mousavi é inteiramente diferente: seu nome representa o genuíno renascimento do sonho popular que fundamentou a revolução de Khomeini. Mesmo que esse sonho tenha sido uma utopia, devemos reconhecer nele a genuína utopia da própria revolução.
O que isso quer dizer é que a revolução de Khomeini de 1979 não pode ser reduzida a uma tomada do poder pela linha-dura islâmica -ela foi muito mais que isso. Agora é o momento de recordarmos a incrível efervescência do primeiro ano após a revolução, com a explosão estarrecedora de criatividade política e social, experimentos organizacionais e debates entre estudantes e cidadãos comuns.
E em último lugar, mas não menos importante, o que isso significa é que existe no islã um potencial libertador genuíno.

Emancipação
O futuro é incerto. Mas, seja qual for o resultado, é muito importante guardarmos em mente que estamos assistindo a um grande acontecimento de emancipação que não se enquadra no contexto da luta entre progressistas pró-ocidentais e fundamentalistas antiocidentais.
Se nosso pragmatismo cínico nos fizer perder a capacidade de reconhecer essa dimensão emancipacionista, então nós, no Ocidente, estaremos de fato ingressando numa era pós-democrática e nos preparando para os nossos próprios Ahmadinejads.



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SLAVOJ ZIZEK é filósofo esloveno e autor de "A Visão em Paralaxe" (ed. Boitempo). Ele escreve na seção "Autores", do Mais! .
Tradução de Clara Allain.

Paul Veyne - o que é a história?

Folha de São Paulo, domingo, 28 de junho de 2009 - Caderno Mais

História da carochinha
Especialista em Grécia e Roma antigas, o francês Paul Veyne diz que sua disciplina é assunto de "pura curiosidade" e não é mais importante que a astrologia



Especialista na Antiguidade greco-romana, grande erudito e leitor insaciável, Paul Veyne não fica limitado a fronteiras acadêmicas e nunca permanece dentro das correntes constituídas, como testemunham suas difíceis relações com a Escola dos Annales.
Em 1976, publicou sua tese "Le Pain et le Cirque" (O Pão e o Circo, ed. Seuil), um estudo fascinante sobre a sociedade romana, que lhe valeu uma cadeira no Collège de France. Desde então escreveu várias obras que unem reflexão epistemológica sobre o conhecimento histórico e análise do mundo greco-romano.
Com Michel Foucault, Paul Veyne afirmou que a história é a história das práticas e das crenças. Ele repudia qualquer ideia de racionalidade da história, de ser movida por fatores profundos como progresso ou luta de classes.
Sua reflexão sobre o estatuto da verdade o leva a demonstrar a dificuldade da explicação histórica: no máximo o historiador pode tentar explicitar fatos e historicizar noções (o Estado, o poder, a religião etc.).
Para Paul Veyne, "não se pode tirar nenhuma lição da história". Ele afirma a subjetividade de toda narrativa histórica e coloca em xeque o estatuto da verdade.




PERGUNTA - Em "O Pão e o Circo", o sr. propõe um estudo inovador do funcionamento político da cidade romana por meio da prática do evergetismo, ou seja, as doações públicas que os notáveis faziam à cidade. Por que escolheu essa abordagem?
PAUL VEYNE - A doação ocupava um lugar muito importante na sociedade romana: pão (sob a forma da distribuição de trigo), circo (organização de lutas de gladiadores) e festins públicos para o povo, mas também distribuição de terras, presentes para marcar o início do ano, presentes para o imperador e seus funcionários etc.
A maioria dos monumentos públicos das cidades greco-romanas (anfiteatros, basílicas, termas etc.) foi oferecida por notáveis.
Eu estava convencido de que essas doações não guardavam relação nenhuma com uma tentativa de despolitização e de manobra dos poderosos para afastar o povo da política.
Na sociedade romana, os notáveis não eram senhores que viviam em seus castelos, mas nobres que viviam na cidade -como, aliás, aconteceria mais tarde, na Itália medieval-, e essa nobreza enxergava a cidade como sua propriedade, que ela governava.
Em lugar de embelezar seus castelos, os nobres embelezavam a própria cidade, com o mecenato: construíam monumentos públicos e assim, com sua generosidade, mostravam que eram ricos e poderosos.
Essas doações ostentatórias também eram destinadas a mostrar que a cidade não podia viver senão graças a eles. Não se trata de uma despolitização dos espíritos, mas de um cálculo político mais sábio. Essa minha tese foi inspirada por "Ensaio sobre a Dádiva", de Marcel Mauss.

PERGUNTA - Apesar de sua prevenção com relação às ciências sociais, o sr. faz referências frequentes a Max Weber em sua obra. Qual foi a contribuição desse sociólogo?
VEYNE - A obra de Max Weber, justamente, mostra que toda noção é historicizada. Sua sociologia "abrangente" não procura formular leis. Ela reúne e classifica os casos particulares de um mesmo tipo de acontecimento ao longo dos séculos. Seus tipos ideais são um instrumento de interpretação, de hermenêutica dentro de uma problemática em que a história é concebida como conhecimento da individualidade.
Voltemos ao exemplo do mecenato na Antiguidade. Podemos enxergar a doação como uma espécie de invariável ao longo dos séculos e especular sobre categorias gerais: doação, imposto, troca...
Ou podemos nos espantar pelo fato de os nobres romanos terem dado pão e circo ao povo. A cidade era, de certo modo, seu castelo coletivo. Em nossos tempos, se um bilionário francês quisesse pagar parte do orçamento do Estado, ele seria rapidamente suspeito de ter desígnios obscuros.
Como se explica que o mecenato de Estado, público, fosse admitido na Antiguidade e seja impensável em nossa época? Em lugar de procurar invariáveis, passamos então a procurar nuanças, à maneira de Weber.
O cidadão romano não é visto como um sujeito abstrato, como o é o cidadão de direito da Revolução Francesa, mas como um personagem que contribui concretamente para a cidade, pelo fato de fazer parte dela. A cidade é o próprio grupo de notáveis.
Cada exemplo é específico, porque faz parte de um momento da história e, portanto, nos convida a raciocinar em termos concretos. O caso mais extremo é o da democracia antiga: como estabelecer um conceito geral que postule uma continuidade entre a democracia moderna e a dos gregos? Elas têm em comum apenas a palavra.

PERGUNTA - Poderíamos dizer, então, que a história serve apenas para contar belas histórias?
VEYNE - De um lado, eu responderia que todo trabalho histórico é parcial e subjetivo. Não existe uma narrativa canônica única da história da França, e seria impossível fazê-la. Somos obrigados a escolher um ângulo de apresentação, o da estruturação do espaço francês ou o da vida cotidiana dos franceses, a história da nação ou da sucessão dos poderes etc.
Existe necessariamente um corte. E, se você quiser fazer uma "história total", perceberá muito rapidamente que não fez mais do que reunir esses diferentes capítulos -e mais: que se esqueceu da história das mulheres e que isso não tem fim.
Por outro lado, penso que a história não tem mais utilidade que a astrologia. É um assunto de pura curiosidade ou, pelo menos, é preciso tratá-la como tal. A história não demonstra nada e não permite tirar lições eternas.
Algumas pessoas a utilizam para encontrar raízes fundadoras: é o caso da Sérvia atualmente, que está reconstruindo sua história a partir de todos os pedaços, enquanto os jovens historiadores israelenses desconstroem a história do Estado de Israel.
Vamos visitar ruínas que podem ser informes: é o caso da maioria das ruínas de Roma. Não visitamos esses monumentos por suas qualidades de relíquia nem por seu valor estético, mas porque são um pedaço do passado. Existe um interesse pelo passado humano, simplesmente por ele próprio. A que se deve esse fascínio?
Todos nós temos a tendência a imaginar uma natureza humana que teria necessidade de religião ou de uma atitude de piedade em relação aos ancestrais ou de ideais grandiosos como verdade, justiça etc. Nesse caso, o culto ao passado seria uma transformação da pulsão religiosa. Mas a partir disso podemos dizer tudo -ou seja, nada.

PERGUNTA - Em "Les Grecs Ont-Ils Cru à Leurs Mythes?" (Teriam os Gregos Acreditado em Seus Mitos?), o sr. mostra que a própria noção de verdade é historicizada. Existe, o sr. diz, "uma pluralidade de programas de verdade ao longo dos séculos".
VEYNE - Os gregos acreditavam muito firmemente em seus deuses. Por exemplo, ninguém punha em dúvida a existência do deus Baco.
Mas Baco era cercado de figuras fantásticas -as bacantes, os sátiros- em quem ninguém acreditava e cujas histórias eram consideradas fantasias que as babás contavam às crianças para distraí-las. Para nós, seria impossível dissociar essas crenças.
O fato de contos pueris e falsos serem associados à história de Baco contaminaria a crença nesse deus.
Os gregos abordavam seus deuses como um leitor de "Os Três Mosqueteiros" que zomba da realidade histórica e mergulha no romance de Alexandre Dumas sem se preocupar em saber se D'Artagnan, Athos, Porthos e Aramis existiram realmente.
Eu quis mostrar nesse ensaio que, ao longo dos séculos, as pessoas acreditaram firmemente em "verdades" que não eram verdades -a tal ponto que podemos enxergar a história do passado como uma sequência de crenças falsas. Nas ciências exatas, porém, desde Isaac Newton, poderíamos dizer, as verdades são cientificamente embasadas.
O estatuto da física não é o da astrologia e, em dado momento, a alquimia virou química, e a astrologia, astronomia. Por volta de 1800, a medicina começou a se tornar séria, quando antes não passava de uma série de crenças estarrecedoras.
A mesma coisa aconteceu com as ciências humanas por volta de 1860. Esse momento corresponde à contestação radical do cristianismo. A partir desse corte, descobrimos que tudo é histórico, e é a partir daí que as ciências humanas se desenvolvem, libertando-se de todos os preconceitos de nossos antepassados.
Essa mudança é marcada pelo filósofo Friedrich Nietzsche [1844-1900]. Ele foi o primeiro a mostrar que as noções ditas eternas tinham, na verdade, uma história.

PERGUNTA - Qual foi a importância de Foucault para os historiadores?
VEYNE - Foucault demonstrou que as convicções, por mais fortes que possam ser, devem ser analisadas dentro de seus contextos históricos. Se você me perguntar qual é a "verdadeira" democracia, não poderei lhe responder. Posso lhe dizer o que eu entendo por democracia, o que desejo e no que voto, aquilo que não estou disposto a colocar em dúvida.
Os trabalhos de Foucault sobre a prisão e a loucura são uma demonstração cabal da historicidade das convicções; para os historiadores, foram uma revelação. Foucault descreve as práticas e analisa os discursos.
Ele não procura definir o que seria a "verdadeira" loucura, mas descreve concepções diferentes que dominaram no passado. A verdade está, portanto, nessa descrição da maneira como a loucura foi vista e tratada segundo as diferentes épocas.

PERGUNTA - O sr. questionou o estatuto da verdade. Ao mesmo tempo, em cada um de seus livros, o sr. se distancia da corrente relativista, para a qual, na história, tudo é questão de ponto de vista. Suas posições não são contraditórias?
VEYNE - Sobre esse ponto, os historiadores sociológicos se safam muito bem: para eles, a verdade é mostrar as crenças e as representações que o homem construiu ao longo do tempo.
É evidente que a história séria não pode colocar em dúvida a existência dos campos de concentração ou o desaparecimento de famílias judias nas câmaras de gás. Existe uma verdade do passado.
Mas não existe uma vocação humana para ater-se à verdade: com a exceção dos historiadores que exercem sua profissão seriamente, as pessoas são capazes de negar as câmaras de gás ou de zombar delas ou, ainda, de inventar outras que não existiram.

PERGUNTA - Isso é assustador.
VEYNE - Não é sem inquietude que nos dizemos que é possível que dentro de cem anos os direitos humanos aos quais damos tanta importância não façam mais sentido nenhum para as pessoas.
Imagine um homem que lutou na Primeira Guerra, que se fez matar por sua pátria, mas que descobre, 66 anos mais tarde, que é visto como vítima ou como alguém que se deixou enganar. É de fato uma ideia muito angustiante. Mas -felizmente ou infelizmente?- a percepção da fragilidade da verdade não abala os homens em suas convicções.

sábado, 27 de junho de 2009

A questão hodurenha e o constitucionalismo latino-americano

Folha de São Paulo, sábado, 27 de junho de 2009


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Projeto de Zelaya não tem base social para ser imposto
Guinada em direção ao populismo ao estilo chavista veio de cima para baixo, não por pressões populares

Ao aderir à Alba (Aliança Bolivariana para as Américas) e ao tentar mimetizar em Honduras o processo constituinte do bloco chavista, o presidente Manuel Zelaya rompeu o quase bicentenário pacto pelo qual o seu Partido Liberal e o opositor Partido Nacional se revezaram no poder na maior parte do tempo desde a independência.
Porém, ao mesmo tempo em que a Justiça e a maioria das forças políticas hondurenhas, incluindo parte da agremiação governista, questionam a legalidade do processo e veem nele apenas a expressão da ambição presidencial de instituir a reeleição, Zelaya não está apoiado sobre uma base social suficientemente organizada para impor seu projeto aos adversários.
Ao contrário do presidente boliviano Evo Morales, a virada supostamente "popular" de Zelaya veio mais como proposta instituída de cima do que como resultado de pressões de baixo.
Aproveitando período de crescimento econômico de em média 5,5%, ele aumentou em 60% o salário mínimo e estreitou a relação do governo com grupos antes sem poder político, como os indígenas. Seus rivais, no entanto, frequentemente o acusam de pagar manifestantes em atos de apoio.
Honduras não tinha passado, nos anos recentes, por mobilização social expressiva.
Paradoxalmente, um movimento sindical que já foi forte decaiu quando a agricultura deu lugar em importância às maquiladoras -fábricas com isenção de impostos que produzem roupas e alimentos para grandes marcas americanas.
Além delas, são as remessas enviadas por imigrantes que disputam o segundo lugar em renda para a economia do país. As empresas dos EUA venderam suas terras nos anos 90, e hoje compram os tradicionais banana, café e tabaco locais.
A pulverização dos locais de trabalho teve reflexos no sindicalismo, cuja mobilização conseguiu arrancar de um governo dos liberais, em 1955, uma legislação trabalhista avançada para os padrões regionais, com instituição de salário mínimo e jornada de oito horas.
No livro "Power in the Isthmus" (1988), o britânico James Dunkerley, estudioso da América Central, atribui a reformas como essa a relativa estabilidade hondurenha no século 20, em comparação ao vizinhos.
Mesmo com uma série de semigolpes palacianos e de um governo militar que durou 17 anos, entre 1963 e 1980, Honduras não passou por uma onda repressiva das dimensões das que se abateram sobre El Salvador e Guatemala.
O país tampouco tem uma tradição forte de esquerda, e um incipiente movimento guerrilheiro foi logo desbaratado nos anos 80.

O debate do constitucionalismo latino-americano

Folha de São Paulo, sábado, 27 de junho de 2009



entrevista

"Presidente traiu acordo de partidos"


Ao propor consulta para mudar a Constituição de modo a contemplar a reeleição, o presidente hondurenho, Manuel Zelaya, mais do que desafiar a legalidade, rompeu o acordo tácito de acomodação entre os duas principais forças políticas do país, o seu Partido Liberal e o opositor Partido Nacional, levando Honduras à maior crise política desde a redemocratização, em 1981.
É o que diz o chileno Marco Moreno, pesquisador da Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Social) e editor do livro "Governabilidade, Instituições e Desenvolvimento - América Latina e Honduras" (2004).



FOLHA - Como vê o choque entre Poderes em Honduras?
MARCO MORENO - É a crise política mais importante desde o retorno da democracia. Até agora Honduras vinha sendo um país relativamente tranquilo, porque a frágil governabilidade estava garantida por uma elite que se alternava no poder, um pacto entre os dois principais partidos, o Nacional e o Liberal. Ambos são de centro-direita. As diferenças entre eles não são substantivas, e a divisão responde a uma lógica histórica. É a ruptura desse pacto que causa a crise. Zelaya está tentando mudar uma espécie de modus vivendis com a reeleição, e por isso todos os atores envolvidos, partidos, Congresso, Justiça, resistem.

FOLHA - O que move Zelaya?
MORENO - Penso que há duas coisas: o interesse de se manter no poder, mas também o de introduzir algumas mudanças. Zelaya liderava um setor um pouquinho mais progressista do liberalismo, guardadas as proporções num país com tantos problemas sociais. A oposição tem um argumento público muito bom contra ele, que é a defesa da legalidade. Por isso que a arma de Zelaya é chamar um referendo, como fizeram outros presidentes latino-americanos. Ele assinala que, se a convocatória não é legal, ela é legítima, que vai aprofundar a democracia. Com a decisão de seguir com a consulta, ele está tensionando bem mais a situação.E ele tampouco pode recuar.

FOLHA - O sr. espera que uma eventual saída do presidente provoque reação popular?
MORENO - Os hondurenhos são muito distantes da política em geral. Não creio que haja uma reação em termos de mobilização social. O principal apoio do Zelaya vai estar dentro de seu próprio partido e numa poderosa corrente internacional que vai pôr panos quentes neste conflito, porque seria um precedente muito ruim para a América Latina. É um risco muito grande uma situação como essa, dado o histórico de nossos países: sabemos como começa o conflito, mas ninguém sabe que roteiro vai seguir. Nesse ponto, a elite local houve bastante os EUA, de importância enorme no país, onde ainda têm um encrave militar.

Consitucionalismo latino-americano I

Folha de São Paulo de 27 de junho de 2009

entrevista

"Zelaya não repetiria Chávez-2002"

Professor associado do Departamento de Ciência Política e do Instituto de Relações Internacionais da USP, o venezuelano Rafael Duarte Villa refuta as teses -referendadas pela Justiça hondurenha- de que houve ilegalidade na convocação da consulta sobre a Constituinte e na demissão do chefe das Forças Armadas pelo presidente Manuel Zelaya.
O estudioso descarta a interferências de atores de outros países no que define como "crise institucional" de Honduras e compara a ameaça de golpe contra Zelaya com a tentativa frustrada de golpe contra o venezuelano Hugo Chávez, em 2002.



FOLHA - Há um golpe em curso em Honduras?
RAFAEL DUARTE VILLA - Existe a possibilidade de ruptura institucional. Nesse aspecto, foi bastante positiva a reação presidencial de levar o problema para a esfera da OEA. Mas, de qualquer maneira, mesmo que supere o atrito institucional neste momento, Zelaya fica numa situação bastante enfraquecida.

FOLHA - Mas ele tem respaldo popular?
VILLA - Sim. Tem tomado medidas sociais que têm favorecido a população. Mas daí não podemos pensar cenários como, no caso de um golpe, os hondurenhos mais pobres terem a mesma reação que os venezuelanos com Hugo Chávez em 2002, promovendo sua volta ao poder.

FOLHA - Houve decretações judiciais de ilegalidades na convocação da consulta e na demissão do chefe do Exército. Zelaya podia ter feito isso?
VILLA - Há um conflito de poderes, uma crise institucional. Ambas as medidas ele poderia ter tomado, na condição de chefe de Estado. Não é um conflito constitucional, é político. O pano de fundo é o cenário futuro, a possibilidade de reeleição do presidente. Parece ser mais um caso de politização da Justiça que de controvérsia legal.

FOLHA - Se acontecer a consulta, a proposta pretendida pelo presidente passaria?
VILLA - Todas as recentes mudanças constituintes na América Latina -Bolívia, Equador, Venezuela, Colômbia- foram feitas em ambientes eleitoralmente favoráveis ao presidente. Ele [Zelaya] sabe que a tendência eleitoral, por sua popularidade, lhe favorece. E tem pressa em realizar o referendo, quer aproveitar este momento.

FOLHA - A oposição é ditada por interesses externos ou apenas galvaniza insatisfações domésticas?
VILLA - É mais fortemente doméstica. Há aí também outra diferença com o caso da Venezuela em 2002, quando havia uma articulação entre a oposição e certos setores dos EUA. Os tempos hoje são outros. Seria muito ruim para o começo do governo Obama que o Departamento de Estado se envolvesse em conspirações. Vejo a questão hondurenha mais como um conflito de forças conservadoras arraigadas com o estilo de Zelaya promover mudanças, que assusta muito tais elites.

O sultanato na Itália

ELPAIS.com Edición impresa Internacional 10 de 10 en Internacional anterior siguiente ENTREVISTA: GIOVANNI SARTORI Politólogo
"El sultán Berlusconi no caerá, es el dueño de todo el país"
MIGUEL MORA - Roma - 27/06/2009
Giovanni Sartori (Florencia, 1924) es uno de los pocos intelectuales italianos que se pronuncia sobre el alud de revelaciones de fiestas con sexo y droga que rodean al primer ministro, Silvio Berlusconi. Sartori publicó hace dos meses un libro de título profético, El sultanato, reunión de sus artículos para Il Corriere della Sera. El escéptico Sartori descarta que los escándalos vayan a tener un coste político para el sultán. "Si dimite, lo procesan, luego no puede caer. El partido come de él, la Iglesia también. Y los italianos no saben lo que pasa porque sólo ven la televisión", afirma.


Silvio Berlusconi

A FONDO
Nacimiento: 29-09-1936 Lugar: Milán
Giovanni Sartori

A FONDO
Nacimiento: 1924 Lugar: Florencia
Italia
A FONDO
Capital: Roma. Gobierno: República. Población: 58,145,321 (est. 2008)

La noticia en otros webs
webs en español
en otros idiomas
"Los italianos no conocen los escándalos, se informan sólo en TV"

"La Iglesia está comprada también, por eso calla y otorga"
Pregunta. La idea del libro es que la Italia de Berlusconi no es una dictadura ni tampoco es una democracia, sino un sultanato.

Respuesta. Decidí el título antes de que salieran las noticias sobre las fiestas y las velinas [azafatas televisivas] y ha hecho fortuna, aunque algunos sultanes eran más violentos que él. Tenían brigadas de enanos acróbatas que asesinaban a los enemigos. En todo caso, es un régimen de corte, un harén.

P. ¿Y en qué se parece a una dictadura?

R. Él no es un dictador del siglo XX porque no ha cambiado la Constitución, aunque ha intentado vaciarla de contenido desde dentro para quitarle poder al Parlamento. Pero los italianos que lo votan dicen: "Estamos contentísimos con nuestro dictador". Le define la idea de la corte: hace lo que quiere, obtiene lo que necesita, no distingue entre público y privado, el placer del poder le gratifica. Está a medio camino entre dictador y no. Es el padrone a la antigua, el dueño del cortijo.

P. ¿Le han sorprendido los usos del harén?

R. No, el sultán hace lo que quiere y lo que le gusta. Sabíamos que las chicas siempre le gustaron. Forma parte del personaje: el lujo, las grandes fiestas, las menores. Todavía no hay pruebas de eso, pero es absolutamente verosímil, encaja con el personaje.

P. Verónica Lario habló de "vírgenes ofrecidas al dragón".

R. Es su mujer, así que es lógico pensar que está al corriente. Desde entonces calla. Él tiene muchos y muy fuertes mecanismos de presión. El primero son los hijos. Si Verónica habla otra vez, los puede desheredar.

P. ¿Cree que esto será el fin de Berlusconi?

R. Ahora será más cauto y estará más atento. Sigue teniendo apoyo popular y ganando elecciones. Dice: "Soy así, y a los italianos les gusta como soy, no cambiaré". Para protegerse aprobará la ley que restringe las escuchas judiciales, hecho gravísimo porque daña la actividad policial contra la mafia, pero a él esos daños colaterales jamás le han importado.

P. Pero la sensación es que el fango sólo ha empezado a brotar.

R. Saldrán fotos y pruebas de todo tipo, pero dirá que son fotomontajes, calumnias.

P. Su partido no le creerá.

R. El Pueblo de la Libertad es una masa clientelista más fiel que la Democracia Cristiana. Todos viven de él, papi les da la papilla. No se romperá tan fácilmente como la DC, tienen más privilegios y más poder local, las regiones son un escándalo absoluto. Es una red feroz y voraz que conquista cada vez más poder, un para-Estado que tiene todo el interés en seguir juntos. Todos se suben al carro del vencedor y él deja hacer. Lo único que le importa es mantener su patrimonio intacto, lo demás es un gran pesebre.

P. ¿Y Fini?

R. Fini está jubilado. Con la integración de los partidos, Berlusconi coronó a los coroneles, les hizo ministros. No tiene poder ni sobre los suyos. Es frío y sajón hablando, pero su carrera política está coronada de errores y estupideces. Si llegara al poder me fiaría de él menos que de mi gato.

P. Pero la imagen internacional del país empeora cada vez más.

R. En el 94 le saltaron encima, nadie creía que fuera a durar, y se acostumbraron a él. No creo que haya la menor presión internacional. Él dice que todo es un complot de nuestros comunistas, Murdoch y EL PAÍS, y con esa fábula sigue adelante. Es muy listo, muy pícaro. Va a ver a Obama y se coloca el primero de la lista de amigos. Manda más soldados a Afganistán, acoge tres presos de Guantánamo, y Obama no lo puede maltratar.

P. Tampoco parece posible que dimita: pierde la inmunidad.

R. Si dimite, lo procesan. Antes de dimitir se haría garantizar la inmunidad como Pinochet. Vea su sonrisa: es genuina, auténtica. No miente. Trasluce: "Yo os doy la papilla. De los escándalos el país no sabe nada de nada. La televisión no informa, y el 80% de los italianos se informan a través de la televisión". Controla seis de siete canales, y el séptimo tiene miedo. Es imposible que le pasen la cuenta. No hay esperanza.

P. ¿La Iglesia no puede hacerle caer?

R. Está muy atenta, pero él la deja mandar cada vez más. No hay relaciones Iglesia-Estado, es de poder a poder. Ellos también se meriendan a su Italia, los colegios, el fin de la vida... Está comprada como los demás. Por eso calla y otorga. Es justo eso, la Iglesia.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Cientista Político e o Brasil pós-crise

Valor de Econômico de 25 de junho de 2009
Cientista político destaca papel do Brasil no pós-crise

O Brasil terá um papel cada vez mais importante no cenário global, com voz crescente nas discussões sobre a arquitetura financeira e o comércio internacionais, avalia o professor Riordan Roett, da Universidade Johns Hopkins, de Washington, nos EUA. Para Roett, é necessário abrir espaço para a maior participação e influência do Brasil e dos outros países do Bric (Rússia, China e Índia) em instituições multilaterais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização das Nações Unidas (ONU).

Especialista em América Latina, o cientista político Roett elogia fartamente o Brasil. Ele diz que a estabilidade das contas fiscais e externas está consolidada, destacando a liderança na agroindústria, a atratividade do mercado doméstico do país para empresas estrangeiras e a internacionalização das multinacionais brasileiras como fatores que justificam o peso mais significativo do Brasil no mundo.

Roett ressalta também a qualidade da diplomacia brasileira como um trunfo importante nessa direção, elogiando a atuação do Itamaraty no governo Lula e também no de Fernando Henrique Cardoso. "Celso Amorim [ministro das Relações Exteriores] é uma pessoa com grande experiência, que participa de todas as reuniões internacionais importantes O Itamaraty é uma das melhores chancelarias do mundo", afirma ele, que não concorda com as críticas de que a política externa do governo Lula privilegiou em excesso as relações com os países em desenvolvimento. "As relações com os EUA e a União Europeia continuam importantes", diz Roett, que participou ontem do II Fórum Brasil-Estados Unidos, promovido pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio).

"O futuro reserva um tremendo potencial para decisões multilaterais. Nesse contexto, o Brasil não vai ser o principal protagonista, mas assumirá um papel cada vez mais importante", diz Roett, para quem os países emergentes, como os do Bric, vão ganhar mais participação nos próximos anos nas instituições multilaterais, ainda que o sistema não vá mudar de imediato. "Não é possível discutir as mudanças climáticas hoje sem o Brasil", exemplifica ele.

Roett também aponta problemas que atrapalham o desenvolvimento do Brasil. "É preciso investir mais em educação e tecnologia", diz ele, acrescentando que o sistema tributário do país é "terrível", assim como a situação da infraestrutura, que exige mais investimentos.

Para Roett, as eleições de 2010 não devem causar sobressaltos no país, nem devem colocar em risco a estabilidade das contas fiscais e externas. Qualquer que seja o vitorioso na disputa presidencial do ano que vem, não deverá ruptura, acredita ele, por considerar que a elite política brasileira aprendeu muito sobre a importância da continuidade na transição do governo Fernando Henrique Cardoso para o governo Lula.

Também presente ao evento da Fecomercio, o embaixador dos EUA no Brasil, Clifford Sobel, foi outro a ressaltar a importância crescente do país no cenário global. "O Brasil tem de ser hoje parte da solução para os problemas globais de energia, clima e alimentos", diz Sobel, observando que o país não é hoje apenas uma "ilha de estabilidade política", mas também financeira.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Gilmar Ferreira Mendes e a guerrilha do Araguaia

Folha de São Paulo de 23 de junho de 2009

Mendes defende abertura dos arquivos do Araguaia
Presidente do STF diz que, pelo "direito à verdade", documentos devem ser apresentados

Para irmã de desaparecida, revelações de militar sobre mortes de integrantes do PC do B pela ditadura podem ter sido feitas para confundir



O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, defendeu ontem a abertura de arquivos do período da ditadura (1964-1985) e da guerrilha do Araguaia, ocorrida entre 1972 e 1975, sustentando o "direito à verdade".
"Eu acho que há um direito à verdade. Se de fato esses documentos existem, eles devem ser mostrados", disse Mendes. O presidente do STF afirmou que não vê possibilidade de proibição em relação à medida. "Tem que haver abertura [dos arquivos]. Os documentos existentes devem ser apresentados", disse ontem, em São Paulo.
O tema da abertura dos arquivos voltou à tona com a divulgação de novas informações contidas no acervo pessoal do militar Sebastião Curió Rodrigues de Moura, conhecido como major Curió, que fez parte da repressão à guerrilha.
Segundo documentos do militar divulgados em reportagem de "O Estado de S. Paulo", 41 integrantes da guerrilha, comandada por membros do PC do B, foram rendidos e executados pelas forças militares do governo brasileiro.
Segundo dados do Arquivo Nacional, apenas 15% dos setores da administração pública federal entregaram, até agora, documentos da época. O governo chegou a anunciar que pretende criar uma lei para pressionar órgãos oficiais a divulgar documentos da época.
Para a pedagoga Valéria Costa Couto, irmã da guerrilheira Walquíria Afonso Costa, desaparecida desde 1974, as revelações de Curió foram influenciadas pelo fato de o governo brasileiro ter passado a ser réu na Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão judicial autônomo da OEA (Organização dos Estados Americanos), por supostamente não revelar à sociedade os arquivos a respeito da guerrilha do Araguaia.
"O país já começa a se sentir coagido diante da Corte Interamericana. Isso [as revelações de Curió] já é uma reação", afirmou a parente da desaparecida.
Valéria desconfia das afirmações de Curió. "Enquanto familiar já desgastada emocionalmente, não chego a acreditar na veracidade das informações. Talvez essas revelações tenham sido feitas para confundir mais ainda", disse.
Criméia Alice Schmidt de Almeida, membro da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos e mulher do desaparecido André Gribois, afirmou que as declarações de Curió causaram "repulsa" entre os parentes dos guerrilheiros do Araguaia.
"É incrível como essas informações ficaram escondidas da sociedade durante tanto tempo. Essa situação mostra o descaso do Estado brasileiro em relação aos fatos ocorridos no Araguaia", afirmou Criméia.

Israel e Palestina

Israel rejeita pressão dos EUA e aprova 300 casas na Cisjordânia
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da Folha Online

O ministro da Defesa de Israel, Ehud Barak, aprovou a construção de 300 novas casas em um assentamento judaico na Cisjordânia, informou nesta terça-feira a rádio militar.

A construção das casas acontecerá na colônia de Talmon, nas proximidades de Jerusalém, ignorando a pressão de Washington para que Israel encerrasse a expansão da ocupação em territórios palestinos --considerada pelos Estados Unidos e palestinos como essencial para negociar a paz na região.
Dan Balilty/AP
Casal caminha perto de imagem modificada de Obama; Washignton quer fim de colônias
Casal caminha perto de imagem modificada de Obama; Washington quer fim de colônias

A rádio informou que 60 das 300 casas no assentamento de Talmon já foram construídas e que Barak aprovou planos para construir mais 240 unidades no local. O Ministério da Defesa não comentou a notícia, alegando que estava checando a informação.

O presidente norte-americano, Barack Obama, pressionou Israel para suspender as atividades nos assentamentos como parte da tentativa de retomar as negociações de paz com os palestinos.

Os territórios palestinos foram dominados por Israel na guerra de 1967. Desde então, Israel construiu 121 assentamentos na Cisjordânia --que abrigam cerca de 300 mil israelenses. Outros 180 mil vivem nos arredores da Jerusalém Oriental, que tem predominância árabe.


O Tribunal Internacional declarou a ilegalidade de todos os assentamentos.

Os palestinos, que querem um Estado próprio na Cisjordânia e na faixa de Gaza, veem os assentamentos como uma ocupação de território que visa a negá-los um Estado viável.

O primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, tem se recusado a declarar o congelamento dos assentamentos, que causaria tensões dentro da coalizão de direita que governa o país.

Com Efe, Reuters e Associated Press

A matança de Obama

EUA endurecem política de bombardeios aéreos no Afeganistão
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da Folha Online

Em sua primeira medida oficial, o novo comandante militar americano no Afeganistão, Stanley McChrystal, afirmou que restringirá os bombardeios aéreos no país em um esforço para reduzir o número de civis mortos --e melhorar a imagem dos Estados Unidos entre os afegãos após o ataque na Província de Farah que deixou 140 civis mortos, segundo fontes afegãs.

Guerra no Afeganistão fortaleceu Taleban; saiba mais sobre o grupo

Em reportagem publicada nesta segunda-feira pelo jornal americano "The New York Times", McChrystal afirmou em entrevistas nos últimos dias que a utilização de ataques aéreos no Afeganistão será permitida apenas para prevenir ofensivas contra tropas americanas e da coalizão internacional.

"O poder aéreo contém a semente de nossa própria destruição se não o usarmos de modo responsável", declarou McChrystal a um grupo de oficiais durante uma videoconferência na semana passada, citado pelo jornal. "Podemos perder esta luta", completou.

Mesmo em casos de combate direto com as forças do grupo islâmico radical Taleban, os bombardeios aéreos devem ser limitados e evitados em áreas populosas --principal cenário de morte de civis em uma guerra como a que ocorre no país asiático há oito anos.

Segundo o jornal, as restrições serão ainda mais duras nos casos de ataques a casas e complexos residenciais usados de refúgio por talebans.

"Quando atiramos em uma casa, isso deveria ser apenas pela proteção de nossas forças", afirmou. "Eu quero que todo mundo entenda isso."

O anúncio de mudanças chega quase dois meses depois dos ataques de 4 de maio na Província de Farah, que causou a morte de muitos civis e aumentou as críticas afegãs às técnicas utilizadas pelas forças internacionais no combate ao terrorismo no país.

Segundo o governo norte-americano, a batalha em Farah começou um dia depois que um grupo de insurgentes talebans entrou em duas vilas de Bala Buluk, exigindo dinheiro dos moradores e matando três ex-funcionários do governo. Uma força afegã foi enviada ao local, mas caiu em emboscada armada por entre 200 e 300 insurgentes.

As tropas pediram então ataques aéreos de jatos F-18 para resgatar os afegãos presos no local. As bombas finais, foram lançadas quatro horas antes de a batalha ser encerrada.

Washington rejeitou o número de vítimas divulgado pelo governo afegão, mas admitiu que houve civis mortos nos ataques aéreos. Os americanos afirmam que os talebans forçam moradores a permanecerem em seus refúgios para forçar as vítimas civis e prejudicar a imagem dos EUA no país.

Um relatório divulgado pelas Forças Armadas americanas semana passada revelou que, somente em junho, ao menos 26 civis morreram na guerra ao terrorismo no Afeganistão.

Segundo um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas), o número de civis afegãos mortos em 2008 foi 405 maior que em 2007. O taleban causou a maioria das vítimas com ataques suicidas e bombas colocadas em estradas e acionadas a distância.

Parlamento da França cria comissão para estudar uso da burca

Notícia de hoje da Folha de SP

Parlamento da França cria comissão para estudar uso da burca
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colaboração para a Folha Online

O Parlamento da França criou nesta terça-feira uma comissão para estudar o uso da burca, véu que cobre todo o corpo da mulher, incluindo o rosto, um dia depois de o presidente Nicolas Sarkozy ter feito um discurso na Casa em que afirmou que a vestimenta não tem lugar na França já que são um símbolo de submissão da mulher e não de religião.

Os 32 membros da comissão, com integrantes dos quatro principais partidos políticos franceses, realizarão audiências que deverão levar a uma legislação banindo a burca de ser usada em público.
Brian Snyder/Reuters
Mulher muçulmana usa uma burca, vestimenta que cobre todo o corpo, inclusive o rosto; os olhos ficam debaixo de uma tela
Mulher muçulmana usa uma burca, vestimenta que cobre todo o corpo, inclusive o rosto; os olhos ficam debaixo de uma tela

A França possui a maior população muçulmana da Europa, aproximadamente cinco milhões de pessoas. Um pequeno, mas crescente grupo de mulheres usa burca ou niqab --que deixa os olhos à mostra.

Na segunda-feira, Sarkozy disse aos parlamentares que o apoia o fim do uso da burca em público, chamando a vestimenta de "um sinal de submissão" das mulheres.

"Não podemos aceitar que as mulheres sejam prisioneiras atrás de uma tela, cortadas de toda vida social, privadas de toda identidade", disse. "Isso não será bem-vindo no território da República Francesa".

Na semana passada, um grupo de 60 legisladores de todos os partidos políticos assinaram uma petição pedindo um inquérito parlamentar sobre o uso da burca. Grupos muçulmanos e funcionários do governo disseram que é difícil saber quantas mulheres usam burcas e niqabs na França, mas estimaram que são centenas. Elas são mais presentes do que os lenços islâmicos simples.

A comissão criada nesta terça-feira tem seis meses para concluir os trabalhos.

Polêmica

O debate sobre o uso da burca é mais um capítulo da controvérsia de mais de uma década na França sobre o uso de lenços na cabeça por mulheres muçulmanas. Em 2004, o governo proibiu o uso de todos os símbolos religiosos em escolas estatais.

Críticos afirmam que a lei estigmatizou os muçulmanos em um momento no qual o país deveria combater a discriminação nos locais de trabalho e mercado de emprego que causou grande racha na sociedade entre franceses e imigrantes.

domingo, 21 de junho de 2009

O poder das redes sociais

El poder de las redes sociales
Irán, Moldavia, China... Twitter provoca a los Gobiernos oscuros
VERÓNICA CALDERÓN Y JUAN DIEGO QUESADA 21/06/2009

No han puesto un pie en Irán, pero el informático estadounidense Austin Heap y el británico Esko Reinikainen llevan desde el domingo difundiendo en su blog trucos para burlar la censura del Gobierno iraní. Los censores están desbordados. No pueden parar la avalancha de información que llega al mundo entero a través de Twitter.


La fractura de Irán
Ahmadineyad exige a EE UU y al Reino Unido que dejen de interferir en Irán

Irán
A FONDO
Capital: Teherán. Gobierno: República Teocrática. Población: 65,875,224 (est. 2008)

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Esta red social de Internet, que permite enviar fotos y mensajes de hasta 140 caracteres, ha alentado las protestas en las calles de Teherán. "Los ayatolás no han aprendido de lo ocurrido hace meses en Moldavia", dicen los informáticos. Y es que en Moldavia, un pequeño país de Europa Oriental, comenzó lo que se conoce como la revolución twitter.

Las elecciones moldavas del pasado mes de abril no tuvieron mucho eco internacional. Hasta que un grupo de veinteañeros reunido en una cafetería, envalentonado por las arengas de la periodista Natalia Morari, decidió convocar una manifestación a través de Internet para protestar por los resultados de las elecciones que daban como ganador a la formación en el Gobierno, el Partido Comunista.

Los jóvenes y los dirigentes de la oposición creían que se trataba de un pucherazo. "Esperaba que fuesen a quejarse unas 200 personas", cuenta Morari a este periódico. Pero se quedó corta: la protesta se publicitó a través de Twitter y Facebook, y unas 20.000 personas recorrieron las calles de Chisinau, la capital, furiosas por la supuesta trampa de los comunistas. La marcha, que acabó en violentos incidentes, se convirtió en el símbolo de la primera revolución twitter. La periodista Morari, que tiene ahora 25 años, cree que el fallo de los Gobiernos radica en "subestimar las nuevas tecnologías". Internet "hace un mundo más democrático. La democracia es imparable a través de la Red", apunta.

China, gigante, hermética, milenaria y tradicional, también se ha visto afectada. Todo empezó con un fax. En junio de 1989, los estudiantes chinos de la Universidad de Michigan, al conocer las imágenes que daban cuenta de la matanza de Tiananmen, decidieron comprar entre todos un fax. Así comenzaron a enviar a sus familiares y amigos en China las crónicas periodísticas y las fotos que demostraban lo que en realidad estaba pasando. Hoy, 20 años después de la matanza de los estudiantes, el Gobierno de Pekín ha tenido que enfrentarse a otro enemigo mayor y más silencioso que un fax: Internet. Entre los adolescentes chinos se conoce a la censura en Internet como la "Grandiosa Gran Muralla". Si este año la policía ha impedido a los medios extranjeros entrar en la plaza, durante el día del vigésimo aniversario, tanto el relato como imágenes de la matanza han corrido como la pólvora por Twitter o Facebook. La Gran Muralla tiene una grieta.

No es la única. En Guatemala ocurre lo mismo. El abogado Rodrigo Rosemberg, muerto a tiros el 10 de mayo en Guatemala, apareció en un vídeo días después de su asesinato: "Si usted lo está viendo es que he sido asesinado por el presidente". Rosemberg acusaba directamente al presidente Álvaro Colom. La cinta en YouTube suma ya 500.000 visitas. Y Jean Anleu Fernández, estudiante de ingeniería en sistemas, colgó un mensaje con 14 palabras en Twitter instando a retirar el dinero del Banco Banrural, una de las instituciones financieras a las que Rosemberg acusó de corrupción y responsabilizó también de su muerte. El estudiante fue detenido, enjuiciado y encarcelado el mismo día, acusado de provocar "pánico financiero". Todo en un país donde el 98% de los crímenes se queda sin resolver, como el de Rosemberg. Ya en libertad, Fernández explica por correo electrónico que ha cambiado sus hábitos desde que fue encarcelado. "Leo en blogs sobre mi caso, pero me mantengo desconectado. Mi situación es delicada".

El profesor de sistemas de información en IE Business School, Enrique Dans, cree que Twitter es incontrolable. "Es simple y promiscuo. Se puede utilizar desde el ordenador, una cafetería con conexión o desde el móvil. No hablamos de portabilidad de datos: es promiscuidad de información", apunta Dans, autor también de un blog muy popular. "Tiene un ecosistema tan brutal que es incontrolable. También ese es su peligro. Los Gobiernos lo utilizan para enviar mensajes equívocos", explica.

El reto de los activistas informáticos implicados en causas como la de Irán consiste en burlar lo que se conoce como el Muro de Berlín virtual. Los jóvenes rebeldes de estos días convulsos de Irán utilizan en sus ordenadores un programa que hace imposible revelar su identidad. Son los mismos que forman esa gran marea verde en las calles de Teherán. Los mismos que han abierto una fisura en un país conocido por el cerrojazo ideológico de su Gobierno. Una grieta en otra Gran Muralla.

Os indios amazônicos e os da cordilheira no Peru

Para discutirmos o constitucinalismo latino-americano leim:




Folha de São Paulo, domingo, 21 de junho de 2009



Disputa peruana joga luz sobre índios amazônicos
Até então, voz indígena era representada principalmente por povos da cordilheira

Especialistas enxergam articulação inédita entre populações da selva e da serra; país abriga pelo menos 60 etnias distintas

O recuo do governo Alan García no Peru, que cedeu à reivindicação principal do movimento indígena em ser consultado previamente sobre um pacote de leis sobre a Amazônia, foi uma conquista política importante para os povos nativos num país que, à diferença dos vizinhos andinos, não se diz uma sociedade plurinacional.
Os amazônicos também ganharam espaço político quando a "voz indígena", em geral, é a do mestiço camponês de origem quéchua e aymara, da cordilheira dos Andes.
Os indigenistas mais otimistas viram, porém, na manifestação de apoio de grupos andinos à Aidesep (Associação Interétnica para o Desenvolvimento da Selva Peruana), o embrião de uma articulação historicamente frágil entre a selva e a serra, frente à elite da costa representada por Lima.
Em Apurímac, a segunda região (Estado) mais pobre do Peru, na serra andina, o Comitê de Luta dos Camponeses de Andahuaylas, a capital, tomou aeroporto, bloqueou estradas em apoio ao movimento da selva. O aeroporto segue tomado, e o movimento exige o cumprimento de sua própria demanda: a construção de uma estrada e a luta contra a pobreza.
Seguem, portanto, separando os índios amazônicos e os camponeses de origem quéchua e aymara principalmente a concepção de etnicidade, organização e agenda.
Os indígenas amazônicos vivem, em geral, em comunidades rurais de terra compartilhada. São cerca de 400 mil, divididos em 60 etnias.
Com apoio de ONGs e de setores da Igreja Católica, o movimento da selva ganhou força nas últimas três décadas com agenda de titulação de suas terras e defesa da floresta.
Já os povos da cordilheira tiveram contato desde a colonização com os europeus. No ditadura nacionalista de Juan Velasco (1968-1975), o Estado evocou o imaginário inca e passou a tratar os povos da região com uma abordagem de classe, como "camponeses", termo que permanece apesar do movimento recente de valorização étnica. (FLÁVIA MARREIRO)

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Celso Amorim e os Direitos Humanos

Folha de São Paulo, quinta-feira, 18 de junho de 2009




Para Amorim, Brasil é "realista" em conselho de direitos humanos
"Tem gente que quer ir para o CDH para purgar os pecados do colonialismo", critica chanceler



O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, rebateu ontem as críticas à linha do Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU -defendeu uma atitude realista em relação ao tema e acusou os países ricos de agir movidos pelo sentimento de culpa colonialista.
Na última segunda, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou no CDH, em Genebra, sob ataques de ONGs de defesa dos direitos humanos ao histórico do Brasil no órgão.
Para as ONGs, ao evitar condenações a regimes acusados de cometer abusos, como Sudão, Congo e Coreia do Norte, o governo brasileiro é conivente com eles e mina a capacidade do CDH de defender as vítimas.
Amorim reafirmou a convicção do Itamaraty de que é melhor dialogar com países acusados que isolá-los. Disse isso no palácio do presidente do Cazaquistão, Nursultan Nazarbayev, líder de um regime autoritário que há dois anos obteve o direito ilimitado de se reeleger.
"É uma questão de concepção. Tem gente que quer ir para o CDH para ficar em paz com a sua consciências e purgar os pecados do colonialismo."
Um dos exemplos de pragmatismo citados pelo ministro foi a recente resolução sobre o Sri Lanka, aprovada num CDH profundamente dividido.
Copatrocinado pelo Brasil, o texto não fez menção aos abusos de que o governo é suspeito e não inclui a necessidade de uma investigação independente, o que foi defendido pela alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Navi Pillay.
"Se o Brasil não tivesse se envolvido na resolução, ela teria simplesmente passado a mão na cabeça do Sri Lanka e ponto final. O envolvimento do Brasil é que permitiu que a resolução tenha criado obrigações para o governo, que ele acabou tendo que aceitar para ter esse apoio mais amplo", disse o ministro.
Em outubro do ano passado, Amorim foi ao Zimbábue no momento em que países europeus pressionavam o presidente Robert Mugabe a deixar o poder, por indícios de fraude eleitoral. Após semanas de tensão, Mugabe aceitou dividir o poder com o candidato de oposição Morgan Tsvangirai
Amorim, que manteve conversas com os dois, disse que o diálogo evitou o pior. "O que queriam muitos países europeus é que o Mugabe saísse, mas isso teria levado a uma guerra", disse o ministro.
"O [debate] fundamental em direitos humanos é entre melhorar a situação ou simplesmente exprimir uma condenação que fique bonita e se bote num diploma na parede", ironizou ele. "O Brasil quer efetivamente melhorar a situação."
Grupos civis consideram a visão brasileira moralmente duvidosa, por preferir manter alianças com países em desenvolvimento a privilegiar a defesa das vítimas.0 (MARCELO NINIO)

domingo, 14 de junho de 2009

Brecht e o papel da Ciência

Folha de São Paulo, domingo, 14 de junho de 2009



Interpretando Galileu
PEÇA DE BERTOLT BRECHT QUE INTRODUZIU A VIDA E OS DILEMAS ÉTICOS DO CIENTISTA ITALIANO A GERAÇÕES DE ESPECTADORES COMPLETA 70 ANOS


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O Galileu de Brecht não aceita a absolvição. Ele afirma ter errado ao abjurar sua doutrina
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TIAGO TRANJAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Galileu: "(...) Repassei o meu caso, e pensei sobre o juízo que o mundo da ciência (...) deverá fazer a respeito."
Duas bombas atômicas -e uma guerra, a emigração para os EUA, o macartismo, o retorno para a Alemanha Oriental- separam o texto final de "A Vida de Galileu" (1955) de sua primeira versão, escrita por Bertolt Brecht em 1939, durante o exílio na Dinamarca.
A peça, considerada por muitos o ponto culminante do teatro brechtiano, introduziu gerações de plateias ao personagem Galileu, não apenas como genial cientista, mas como portador de um dilema ético central para toda a ciência contemporânea. Essa ciência que, justamente a partir da Renascença, foi ganhando relevância progressiva, até se tornar importante força de moldagem social, ao mesmo tempo em que se institucionalizava e se profissionalizava.
Um antigo discípulo: "O senhor escondeu a verdade, diante do inimigo. Também no campo da ética o senhor estava séculos adiante de nós (...) O senhor fugia meramente a uma briga política sem chances, para avançar o trabalho verdadeiro da ciência".
Em retiro forçado, após abjurar a doutrina heliocêntrica de Copérnico devido às ameaças da Inquisição, Galileu prossegue solitariamente seu trabalho científico. É nessas condições que escreve sua obra máxima, os "Discursos sobre Duas Novas Ciências". Com ela, a ciência começa a assumir a forma como a conhecemos hoje, como descrição matemática do mundo, baseada na livre investigação dos fatos. Galileu aparece envolvido, aqui, em uma luta grandiosa: para libertar a ciência do jugo da religião, dos preconceitos intelectuais, da tirania ideológica. Para ele, o livro da natureza está aberto para quem deseje ler; e o valor a ser buscado é a verdade, o conhecimento. Delineiam-se nessa luta valores que viriam a ser vistos como fundamentais para a ciência: imparcialidade, autonomia e neutralidade. Valores cognitivos puros. Valores da busca pelo conhecimento.
Galileu: "A prática da ciência me parece exigir notável coragem (...). Ela negocia com o saber obtido através da dúvida. Arranjando saber, a respeito de tudo e para todos, ela procura fazer com que todos duvidem."
De maneira surpreendente e cruel, porém, na última cena da peça, o Galileu de Brecht não aceita a absolvição oferecida por seu ex-discípulo. Ele afirma ter errado ao abjurar sua doutrina. Diz ter perdido a luta: essa luta pela nova física que, hoje, nos parece ganha. Por que, então, o genial cientista não consegue perdoar-se? Acontece que o Galileu de Brecht está falando de uma outra luta. "A miséria de muitos é velha como as montanhas, e, segundo os púlpitos e as cátedras, ela é indestrutível, como as montanhas."
Para Brecht, o conhecimento era um instrumento de transformação. Toda sua teoria do teatro épico fundava-se na ideia de que o homem podia sempre reconstruir-se, ao mesmo tempo em que reconstruía as próprias estruturas sociais. Não havia natureza definitiva da humanidade, senão a possibilidade de avançar, de descobrir novas formas de sociabilidade, mais justas e fraternas. Para isso, porém, uma condição impunha-se: que as pessoas pudessem compreender sua própria realidade, e refletir acerca de seu papel no mundo.
Galileu: "E se os cientistas (...) acham que basta amontoar saber, a ciência pode se transformar em aleijão (...) Com o tempo, é possível que vocês descubram tudo o que haja por descobrir, e ainda assim o seu avanço há de ser apenas um avanço para longe da humanidade. O precipício entre vocês e a humanidade pode crescer tanto que, ao grito alegre de vocês, grito de quem descobriu alguma coisa nova, responda um grito universal de horror."
As duas bombas atômicas haviam se tornado a marca profunda do que Brecht vinha tentando dizer. Podia-se ver agora, que a ciência não possuía apenas um método, a ser libertado e aperfeiçoado, nem somente um objetivo -o conhecimento -a ser buscado. Ela possuía também um uso político e uma apropriação social, e estes exigiam, urgentemente, uma nova configuração. Diferentes lutas, mas que precisavam ser lutadas sempre ao mesmo tempo.
Tanto Galileu quanto Brecht buscam a "verdade". Mas qual verdade? Brecht pede a Galileu que faça com sua busca científica o que ele próprio fizera com sua arte: a busca da "verdade" como revelação do homem ao próprio homem. Cabe então perguntar: estaria Brecht oferecendo, assim, um novo dogmatismo ideológico, que deveria submeter a investigação científica assim como o "realismo socialista" havia tentado submeter a arte?
A mensagem é mais crucial e precisa. Brecht coloca em dúvida a possibilidade do valor cognitivo puro, pois sabe que valores estão sempre imersos em uma sociedade. O termo "verdade" só pode apontar em uma direção: para uma melhor compreensão do ser humano e de suas possibilidades no mundo; para a consciência do homem que constantemente se reconstrói. A cobrança que Brecht dirige a Galileu -aos cientistas e homens de sua época- é tudo menos dogmática. Existe uma busca pelo conhecimento científico? Não se questiona. Mas, tudo somado, a "verdade" pode apenas ser uma busca humana.

A criação do sistema bancário americano

Folha de São Paulo, domingo, 14 de junho de 2009


Bancofobia
O HISTORIADOR BRITÂNICO SIMON SCHAMA INVESTIGA A RESISTÊNCIA NOS EUA À CRIAÇÃO DE UM BANCO CENTRAL, NO SÉCULO 19, QUE OPÔS VALORES RURAIS E URBANOS


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Para o presidente Andrew Jackson, o domínio de um banco central era um "jugo despótico"
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SIMON SCHAMA

Porque não estão acostumados a receber ordens de ficar em pé no canto da sala de aula usando um chapéu de burro, os banqueiros dos EUA, ao que se diz, estão começando a se irritar com os "testes de desgaste" que lhes foram impostos pelo Tesouro para receberem verbas do fundo de resgate.
Há boatos de que eles estão "resistindo" às restrições que foram adotadas quanto ao salário dos executivos financeiros.
Antes que sua arrogância volte a transbordar, talvez devessem considerar a longa história do relacionamento de amor e ódio entre os bancos e o governo dos EUA. Uma providência simples seria estudar a cédula de US$ 20.
Pois nela, no espaço que separa as palavras "Federal" e "Reserve", irrompe a cabeleira basta de Andrew Jackson [1767-1845], o presidente norte-americano que mais se preocupou com a questão do penteado.
O sétimo presidente do país também foi inimigo jurado do dinheiro em papel e da criação de um banco central. Jackson fez carreira combatendo índios, derrotando os britânicos e conquistando o afeto das populações fronteiriças.
Mas o que realmente o irritava era o Banco dos Estados Unidos, instituição à qual havia sido concedido o monopólio sobre a emissão de papel-moeda. "O monstro", declarou no auge de sua batalha contra o presidente do banco, Nicholas Biddle, "quer me matar, mas eu o matarei primeiro".

Povo x monstro
E foi isso exatamente o que Jackson fez com o Banco dos EUA, vetando a renovação de sua carta-patente pelo Senado, em 1832, e conduzindo sua campanha à reeleição com a plataforma "o povo versus o monstro".
O resultado da extinção da regulação monetária era previsível: especulação descontrolada. Dois anos depois que Jackson encerrou seu segundo mandato, em março de 1837, o segundo dos grandes colapsos financeiros da história dos EUA estava em curso (o primeiro acontecera em 1819).
E um terceiro se seguiu rapidamente em 1839, durante o governo de Martin Van Buren [1837-41], o sucessor que Jackson havia escolhido a dedo. Às vésperas da Guerra Civil Americana [1861-65], o desejo de descentralização monetária que Jackson um dia expressou havia sido realizado de maneira muito mais ampla do que ele poderia ter sonhado.
Havia mais de 7.000 moedas locais circulando na república, e a falsificação de papel-moeda era epidêmica.
Foi necessária a Lei Bancária que o presidente Abraham Lincoln assinou em 1862 -devido à necessidade desesperada de garantir o crédito necessário para enfrentar a guerra- para que um mínimo de ordem monetária fosse imposto.
Jackson, como nos informa a recente biografia produzida por Jon Meacham ["American Lion - Andrew Jackson in the White House", Leão Americano - Andrew Jackson na Casa Branca, Random House, 512 págs., US$ 18, R$ 35], escrita de maneira elegante e excessivamente generosa para com a figura central do livro, foi uma personalidade excepcional na política norte-americana de muitas maneiras.
Em seu repugnante entusiasmo pela limpeza étnica e eliminação dos indígenas norte-americanos, em sua desconsideração de opiniões inconvenientes da Suprema Corte e em sua certeza de que representava a personificação da democracia popular.
O fato de que os entusiastas de um banco central eram admiradores do Banco da Inglaterra só servia para reforçar a convicção do veterano general de que essas instituições traziam algo de desprezível e antiamericano.
Sua suspeita quase paranoica quanto ao monopólio do banco permitiram que ele explorasse as inseguranças de muitos norte-americanos com relação ao caráter moral do dinheiro.

Nota promissória
Na década de 1790, os caminhos do sucesso para qualquer jovem ambicioso que vivesse na fronteira eram a especulação com terras, a advocacia ou o serviço militar, e Jackson se dedicou a essas três atividades.
Em 1795, passou três semanas na Filadélfia tentando vender uma propriedade de alguns milhares de hectares de excelentes terras de fronteira. Encontrou um comprador, que pagou com nota promissória.
Jackson adquiriu vagões e mais vagões de provisões, usando a nota endossada. Pouco depois, os fornecedores desses bens informaram a ele que a falência do emissor da nota o tornava responsável pelo saldo restante da promissória. Essa dívida paralisou por muito tempo as perspectivas econômicas de Jackson e lhe causou desconfiança duradoura quanto aos instrumentos de comércio em papel.
Jackson veio a acreditar que os meios circulantes são, na melhor das hipóteses, uma criação pouco confiável de um capricho financeiro (já que aqueles que dele dependem nunca sabem que valor receberão pelos instrumentos) e, na pior, a ferramenta preferencial de uma conspiração para escravizar pela dívida.
Assim, o presidente deliberadamente iludiu o país quanto aos males do Banco dos EUA e o seu monopólio.
Alegou não apenas que ele representava uma interposição inconstitucional entre o governo eleito e o povo, mas que havia fracassado em sua responsabilidade de estabelecer um papel-moeda sólido e aceito em todo o país.
Na verdade, nas condições instáveis que reinavam nos EUA na década de 1830, o papel-moeda do Banco dos EUA era de longe o meio mais confiável para conduzir transações. Mas Jackson estava convencido de que, a menos que o banco fosse eliminado, a democracia norte-americana estaria sempre infectada por suas maquinações. O que estava em jogo era uma batalha entre valores rurais e urbanos pela alma econômica dos EUA.
De certa forma, essa batalha era tão crucial quanto a disputa entre o sul escravagista e o norte abolicionista, porque envolvia uma definição direta daquilo que o país deveria ser: um lugar onde simplicidade e transparência imperavam, em comunidades pequenas norteadas pela moral, ou uma máquina autoalimentada de crescimento econômico e poderio ilimitado? "Campo dos Sonhos" ou "Cidadão Kane"?
Mas, além da destruição do banco, Jackson esperava livrar a nação daquilo que ele insistia ser a grande trapaça dos meios circulantes.
Para ele, o papel encorajava a especulação, a especulação escravizava os cidadãos aos monopolistas do banco, e as pessoas que saíam feridas eram "os ossos e músculos" da nação, "homens que amam a liberdade e desejam nada mais que leis iguais e direitos iguais", "as classes agrícolas, mecânicas e laboriosas da sociedade".
O domínio exercido por um banco central, que poderia "tornar o dinheiro escasso quando bem quisesse", era para ele um "jugo despótico".
O Banco dos EUA estava liquidado, mas ai do país caso um sucessor viesse a surgir, como agência por meio da qual os "interesses endinheirados" seriam capazes de tiranizar a maioria honesta!
Esse sucessor, o Federal Reserve [Fed, o atual banco central norte-americano], a cuja boa-fé e crédito Jackson agora empresta sua efígie, demorou muito a se materializar, e só foi estabelecido em 1913.
Os poderes que Jackson acreditava capazes de subverter as liberdades da maioria "honesta" -a capacidade de regular a base monetária- agora são considerados indispensáveis à nossa sobrevivência financeira.
A diferença é que, enquanto o Fed é uma instituição pública, o Banco dos EUA não o era. No entanto, Jackson provavelmente continuaria a desaprovar a qualidade que mais apreciamos no Fed: sua independência com relação ao Tesouro.
Mas a criação do Fed, às vésperas da Primeira Guerra Mundial [1914-18], devia muito à sobrevivência da retórica de oposição aos "interesses endinheirados" proposta por Jackson.

Fazenda x banco
Paradoxalmente, o ouro que Jackson imaginava que poderia servir como defesa do homem comum contra a fraude plutocrática era agora alvo da ira dos populistas. Uma vez mais, a oposição era entre campo e cidade, fazenda e banco.
E foi assim que entrou na liça, contra o candidato presidencial republicano William McKinley [que foi o presidente norte-americano de 1897 a 1901], o pior pesadelo dos defensores do padrão-ouro: o deputado William Jennings Bryan, admirador apaixonado de Andrew Jackson, advogado em uma pequena cidadezinha do Nebraska e pregador laico.
Todos aqueles que o ouviam, seja no circuito evangélico de Chautauqua ou no plenário do Congresso, diziam que Bryan era o mais impressionante orador que haviam encontrado. E Bryan era democrata. Antes que ele transformasse o partido, este era uma organização de derrotados.
Na convenção democrata de 1896, em Chicago, Bryan -ainda que viesse a sair derrotado da eleição- revolucionou o partido, transformando-o na agremiação que viria a abraçar a causa do "homem comum" nos momentos difíceis: o partido de Franklin Roosevelt, Lyndon Johnson e Obama.

Ouro e trabalho
Bryan subiu ao palanque em um terno de alpaca negro e de corte desleixado. "Estou aqui para lhes falar sobre uma causa tão sagrada quanto a liberdade -a da humanidade".
"O padrão-ouro é a pedra que uma parte dos EUA amarrou ao pescoço da outra. A alegação de seus defensores, os republicanos, é que eles são o partido dos negócios".
[Mas] "o homem que trabalha por um salário é tão homem de negócios quanto seu empregador, e o advogado em uma cidadezinha do interior é tão homem de negócios quanto o conselheiro de uma grande empresa em uma metrópole [...] Os mineiros que descem 300 metros às profundezas da terra ou galgam encostas de 600 metros, trazendo de seus esconderijos os metais preciosos que serão despejados nos canais do comércio, são tão homens de negócios quanto os (...) magnatas, que, de suas salas escondidas, manipulam o dinheiro do mundo".
Foi uma obra de arte norte-americana, tão afeita ao solo escuro do país quanto os versos de Walt Whitman ou a feroz sátira de Mark Twain.
Depois, ele decolou para mostrar a eles um continente sofrendo as agruras da dor social. Era o ouro, o produto dos Midas de Wall Street, que causava esse sofrimento. O que aqueles que o acumulavam sabiam sobre os EUA reais, sobre a terra do trabalho e da oração?
Com sua famosa peroração, Bryan ofereceu ao Partido Democrata, vitorioso ou não, o seu novo evangelho.
Seria bom não esquecermos que temos outro cristão sério na Casa Branca. Mas determinar se, nos tempos financeiros difíceis que ainda podem estar à espera, ele realmente terá capacidade de mudar e transformar o dinheiro em algo moral novamente é algo que ainda resta provar.



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SIMON SCHAMA é historiador, autor de "O Futuro da América" (Companhia das Letras). A íntegra deste texto saiu no "Financial Times".

sábado, 13 de junho de 2009

O Peru e a questão indigena

Folha de São Paulo, sábado, 13 de junho de 2009




Peru recua e inclui indígenas em diálogo
Governo havia vetado principal associação da selva em fórum; manifestantes exigem troca de ministro

Horas depois de promover o primeiro encontro do recém-criado Grupo Nacional de Coordenação para o Desenvolvimento dos Povos Amazônicos sem a principal associação indígena do país, o governo Alan García recuou e informou ontem que aceitará dialogar com os líderes dos protestos que sacodem o país há mais de dois meses.
Lima havia anunciado anteontem que a Aidesep (Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana), que existe há 30 anos e representa cerca de 300 mil indígenas, estava excluída do novo grupo, que debaterá um plano de desenvolvimento da Amazônia. García responsabiliza a entidade pelos confrontos no norte que causaram ao menos 34 mortes em 5 de junho, segundo cifras oficiais.
O governo conservador de Alan García criou o novo fórum para tentar aplacar a crise política provocada por mais de dois meses de protestos do movimento indígena contra um pacote legal pró-investimentos na selva baixado sem consultar a população originária.
Mas, se o governo recuou, a Aidesep ainda exige que García troque os interlocutores na negociação. O pedido vira pressão explícita do Partido Nacionalista (do candidato vencido por García em 2006, Ollanta Humala) pela queda do presidente do Conselho de Ministros (premiê), Yehude Simon.
Na quarta, o Congresso aprovou a suspensão por prazo indeterminado de dois decretos aos quais o movimento indígena peruano se opõe, mas a Aidesep exige que eles sejam revogados.
Falando a empresários, o presidente Alan García manteve o tom duro e disse que o "comunismo internacional" está por trás dos protestos e quer provocar o caos.
Ontem, a Defensora do Povo (ouvidora pública), Beatriz Merino, criticou a falta "vontade política efetiva"dos dois lados. Atacou o veto à Aidesep, horas depois revertido.
No sudeste, manifestantes camponeses interromperam ontem a principal estrada de acesso ao aeroporto da cidade andina de Andahuaylas, na região (Estado) de Apurímac.
Os participantes do protesto chegaram a ocupar a pista de pouso. Em Andahuaylas, de 34 mil habitantes e próxima da turística Cusco, lojas e restaurantes não abriram as portas pelo segundo dia, temendo saques.
Manifestantes que há semanas bloqueiam a estrada de 130 km que liga as cidades de Tarapoto e Yurimaguas, no norte do país, permitiram a passagem de caminhões por duas horas pela manhã e mais duas à tarde.
As duas cidades, a 1.000 km de Lima, já sofrem desabastecimento, que provocou alta nos preços de comida e gás. Em Yurimaguas, além da estrada, os indígenas tomaram um porto no rio Huallaga.

Onu, Lula e Direitos Humanos

Folha de São Paulo, sábado, 13 de junho de 2009


Sob bateria de críticas, Lula vai à ONU falar de direitos humanos
Discurso de presidente em Genebra na segunda será recebido por cobranças de entidades sobre política externa brasileira para área

Human Rights Watch acusa Brasil de ser conivente com países violadores de direitos humanos ao se negar a votar por punições em conselho

Ao fazer o seu primeiro discurso internacional sobre direitos humanos em sete anos de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva será recebido em Genebra, na próxima segunda-feira, por uma bateria de cobranças.
Pelo menos três organizações prometem divulgar comunicados criticando as posições adotadas pelo Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU, onde o presidente falará por 20 minutos sobre as diretrizes que regem seu governo em temas humanitários.
No centro dos ataques está o histórico de voto do país. Em sucessivas sessões do CDH, o Brasil, em nome da não ingerência e do consenso, poupou regimes que cometem abusos .
Com isso, reforçou a suspeita de troca de favores com países em desenvolvimento, sobretudo árabes e muçulmanos, de olho em metas estratégicas, como a obtenção de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. O Itamaraty nega a correlação.
No texto que distribuirá aos membros do CDH, a organização brasileira Conectas critica as "ambiguidades" do Itamaraty, citando duas resoluções recentes, sobre a Coreia do Norte e o Sri Lanka. Em ambas, o Brasil evitou condenar os países alegando que o diálogo é mais eficaz do que sanções para fomentar a cooperação.
"É um falso dilema", rebate a coordenadora de relações internacionais da Conectas, Lucia Nader. "Para que haja cooperação é fundamental que as violações e as obrigações dos países sejam reconhecidas."
Com frequência, o argumento do Itamaraty para não endossar resoluções condenatórias é o de que busca agir como "ponte" entre países com posições divergentes para fortalecer o diálogo multilateral.
Foi o caso da sessão especial que discutiu o conflito no Sri Lanka, há três semanas. O Brasil foi um dos principais articuladores da negociação entre países europeus, que exigiam menção clara à suspeita de violações cometidas tanto pelo governo como pelos separatistas, e o grupo asiático, que defendia um texto mais brando.
Sem consenso, acabou sendo aprovada a resolução proposta pelo Sri Lanka, considerada fraca pelos ativistas, apesar de o Brasil ter conseguido incluir alguns elementos que eles aprovavam. Para a embaixadora do Brasil no CDH, Maria Nazareth Farani Azevêdo, é um erro julgar a atuação do Brasil somente pelo voto.
"Algumas organizações tendem a fazer essa avaliação, que é muito superficial, muito rasa", diz a diplomata. "O Brasil buscou uma atuação que trouxesse o Sri Lanka para dentro do conselho. O isolamento não iria ajudar o país a observar direitos humanos."
O argumento não convence as organizações civis que acompanham o dia a dia do CDH. No texto que divulgará na segunda, ao qual a Folha teve acesso, a Human Rights Watch acusa o Brasil de conivência com violadores de direitos humanos.
"Quando o presidente Lula se dirigir ao CDH hoje [segunda], ele precisa explicar porque o Brasil está usando seu voto para proteger aqueles que cometem graves abusos de direitos humanos", diz o texto.
"A ação do Brasil está minando a ação do órgão", completa Julie de Rivero, diretora da organização em Genebra.
Já a Anistia Internacional reconhece os avanços obtidos nos últimos anos no Brasil, como a proteção de direitos sociais e econômicos e o reconhecimento de abusos como tortura e violência policial. Mas aponta inconsistências entre o discurso do Itamaraty e sua atuação no conselho.
"Estou convencido de que o que mais interessa ao Brasil é o assento permanente no Conselho de Segurança e a consolidação de uma liderança como a que conquistou na Organização Mundial do Comércio", diz Peter Splinter, representante da AI em Genebra.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Corte Européia de Direitos Humanos

Valor Economico de 10 de junho de 2009
A Corte Européia de Direitos Humanos




Muito progresso se tem alcançado em tribunais de direitos humanos fundamentais, que compreendem não somente direitos individuais da pessoa humana como outros também aplicáveis inerentemente a pessoas jurídicas, tais como o direito a propriedade, à não-discriminação, ao devido processo legal, entre outros. A Corte Europeia de Direitos Humanos tem sido um dos exemplos mais atuantes tentando preservar a autonomia dos Estados-membros no tocante à margem de apreciação de cada Estado para a adoção de suas políticas públicas e dos meios para concretizá-las. A convenção foi celebrada em 1950 e abrange, até o presente momento, 47 países com uma população de mais de 800 milhões de habitantes, tendo sido iniciada com apenas dez países.

Como contraponto a essa margem discricionária dos Estados-membros do Conselho da Europa, a Corte Europeia de Direitos Humanos tem adotado critérios de interpretação para o controle jurisdicional de atos normativos ou executivos das autoridades nacionais que, injustificadamente, limitem ou afetem o exercício na prática dos direitos fundamentais consagrados na convenção. Recordo-me, ao escrever esse breve artigo, da sessão que presenciei na corte em Estraburgo, em 12 de setembro de 2007, que tratava de um caso de discriminação relativo ao imposto sobre herança inglês que envolvia o tratamento discriminatório de duas irmãs em torno de 80 anos e que viviam juntas há mais de 40 anos.

O caso, em si, demonstra todos os princípios de interpretação adotados pela corte, em princípio reconhecendo a competência discricionária para o estabelecimento de leis com objetivos de políticas públicas legítimas (no caso afastar discriminação sexual, reconhecendo a união civil entre pessoas do mesmo sexo e lhes dar tratamento tributário semelhante aos de casais heterossexuais), de comparação com standards adotados, se houver, em outros países na mesma matéria, estabelecimento de mínimos standards de proteção dos direitos fundamentais, de uma interpretação que se evolui no tempo, de acordo com circunstâncias socioeconômicas, legais e culturais, em linha com uma interpretação teleológica, sistemática e evolutiva, procurando encontrar em cada caso um equilíbrio justo entre o interesse público alegado por cada Estado e o direito fundamental que teria sido violado.

Às vezes pode-se considerar que a corte não tem avançado como poderia na proteção efetiva dos direitos fundamentais, concedendo muita margem discricionária aos Estados e adotando uma visão utilitarista dos direitos individuais e mais preocupada com standards mínimos. Mas o fato é que suas decisões tem enriquecido não somente tribunais domésticos de países-membros e não-membros, como outros tribunais internacionais, como a Internacional Corte de Justiça e o órgão de apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC). Isso porque, ao ser fixado um standard mínimo de proteção aos direitos fundamentais, o Estado em questão, além de dever mudar sua legislação, terá que tomar o cuidado para que sua prática externa em outras organizações internacionais não venham a infringir o mesmo direito individual protegido por uma corte.

Assim, por exemplo, se um país violou o direito expropriatório da justa indenização ou o direito internacional de mudar de residência, ou ainda o tratamento discriminatório entre exportadores ou importadores de mercadorias e serviços de um país em relação a outros, bem como estabeleceu, através de normas regulatórias restrições ou constrições indevidas ao direito de propriedade, deverá ter o mesmo cuidado em suas outras relações com países não-membros. Isso em função de outros acordos internacionais, sejam regionais - como Nafta e Mercosul - ou globais, como a OMC, no que tange ao comércio internacional, e a outros tratados de segurança ou de proteção ao meio ambiente, por exemplo. Por outro lado, o mesmo standard de proteção a um direito fundamental a que um Estado-membro do Conselho da Europa ficou submetido, ele poderia exigir de outros em suas relações comerciais e até jurídicas de cumprimento de outros tratados já em vigor como a OMC.

Esses assuntos estão ainda para serem mais desenvolvidos, mas já são uma realidade que comprova os efeitos irradiantes globais de proteção efetiva dos direitos individuais num mundo cada vez mais inter-relacionado. Outra maneira da influência da jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos na jurisdição de países não-membros é por meio da figura do transplante ou empréstimos de métodos ("constitutional borrowings") de interpretação e aplicação dos direitos fundamentais. Como corte internacional, ao estabelecer standards mínimos de proteção, ela acaba por influenciar inclusive cortes constitucionais de outras jurisdições, tais como a Suprema Corte dos Estados Unidos, que historicamente tem demonstrado pouca importância ao direito estrangeiro e à jurisprudência de outros tribunais. Como se tratam de direitos fundamentais, considerados universais em sua concepção e aplicação, a tendência é a de se ter uma menor resistência ao entendimento, em especial de jurisdições internacionais como o da Corte Europeia de Direitos Humanos.

Não se tratam de meros transplantes de conclusões de casos concretos, que muitas vezes dependem de fatos e circunstâncias específicas, mas sim de uma troca de análises de forma e substância para a maior concretude e efetividade possível dos direitos fundamentais, que já podem ser chamados direitos internacionais.

João Dácio Rolim é sócio fundador do escritório Rolim, Godoi, Viotti & Leite Campos Advogados, professor de direito tributário da Fundação Getulio Vargas (FGV), LLM em direito tributário internacional pela London School of Economics, doutor pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pesquisador pela Queen Mary University of London, conselheiro fundador do Instituto de Estudos Fiscais (IEFi) e membro da International Fiscal Association (IFA), do European American Tax Institute (EATI) e do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF)

O "recall" para mandato político na Inglaterra

O importante nas medidas de reforma política na Inglaterra, é a adoção do instituto da revogação do mandato político

Folha de São Paulo, quinta-feira, 11 de junho de 2009



Gordon Brown lança pacote para "limpar" Parlamento britânico
Medidas ainda precisam ser votadas; uma das propostas prevê "recall" de parlamentar acusado de irregularidades

Única providência imediata é a divulgação da utilização pelos legisladores de verba pública; para a oposição, iniciativa é diversionista

O premiê do Reino Unido, Gordon Brown, anunciou ontem uma série de intenções de reforma do funcionamento do Legislativo no país, cuja credibilidade foi afetada nos últimos meses em decorrência da revelação de uso abusivo de verbas públicas por integrantes da Câmara dos Comuns.
Segundo o trabalhista, o pacote visa "limpar" a instituição. A maior parte das medidas será apresentada nas próximas semanas como projetos de lei. Para vigorarem, precisarão de aprovação do Parlamento .
Entre elas estará a possibilidade de um "recall" em casos de irregularidades mais graves. Os eleitores do distrito do parlamentar acusado serão chamados a uma nova eleição, extraordinária, para escolher um novo representante -ou manter o atual.
O "recall" é parte de uma proposta de lei a ser votada, que criaria um código de conduta -e sanções aplicáveis em casos de desvio- para os integrantes da Câmara dos Comuns.
A única medida a entrar em vigor imediatamente é a publicação, a ser iniciada nos "próximos dias", dos detalhes de gastos dos parlamentares feitos com uso de verbas públicas.
O jornal "Financial Times" ironizou a medida, afirmando que "muitos desses detalhes já foram revelados pelo "Daily Telegraph'". O diário citado deu início à crise do Parlamento ao publicar os abusos cometidos com verbas de auxílio-moradia e gastos fúteis dos membros da Câmara baixa.
O líder do Partido Conservador, David Cameron, por sua vez, disse que o pacote de Brown servia somente para tentar desviar a atenção do público de um "primeiro-ministro que perdeu a autoridade".
Outra parte das propostas consiste apenas na exortação do premiê para que a Câmara dos Comuns e os cidadãos debatam modelos de reforma eleitoral -modificando o atual estrito sistema distrital e a idade mínima para voto, de 18 para 16 anos- e até constitucional.
Brown se disse favorável a que o país, berço do direito consuetudinário -modelo calcado em tradição (costume jurídico) e decisões anteriores (jurisprudência)-, adote uma Constituição escrita.